Nathan For You – A Natureza muito humana de Nathan Fielder
O humorista Nathan Fielder ajuda pequenos comércios numa série que já se tornou cult
Quando eu descobri “Nathan For You”, em algum momento de 2016, eu fiquei obcecado pela série. Ao mesmo tempo em que sua proposta parecia um misto de vários tipos de programa, ela não se encaixava em nenhuma categoria específica: era um pouco de reality show, um não sei o quê de documentário, uma grande dose de programa de prank (pra não dizer o popularesco termo “pegadinhas”), um humor de personagem aqui e ali, grandes doses de paródia para onde quer que se olhe e uma pegada jornalística, talvez? Não sei, cinco anos depois ainda é difícil categorizar a série, mesmo porque nada similar foi jamais feito.
Nathan se apresenta como um especialista disposto a ajudar empreendedores que estão passando por maus bocados. “Formado em uma das melhores universidades de administração do Canadá, com notas muito boas”, como ele mesmo diz na abertura do programa. Ele basicamente cria uma solução para ajudar o negócio e a implementa. O problema é que geralmente é uma péssima ideia e o episódio inteiro é a aplicação do plano de forma quase obsessiva, dedicando muito mais esforço do que seria saudável naquela situação.
A verdade é que não é simples explicar o funcionamento da série ou justificar os motivos para que ela seja tão boa. Talvez a melhor forma de fazê-lo seja usando um episódio como exemplo, mas novamente é difícil escolher apenas um dentre tantos absurdos que Nathan nos proporcionou. Mas talvez seja necessário:
Nathan by exemple
No primeiro episódio da terceira temporada (“Eletronics Store”), Nathan se dispõe a ajudar uma pequena loja de aparelhos eletrônicos que vem sofrendo contra a difícil concorrência da enorme Best Buy, ainda mais com a política da gigantesca loja de cobrir qualquer oferta. O plano criado: anunciar televisores a 1 dólar. Dessa forma, a Best Buy é forçada a aplicar sua política de descontos e o próprio dono da loja pode comprar televisores por um dólar.
Depois de convencer o relutante empresário a testar a ideia, Nathan espalha papéis anunciando a promoção, para poder contratar laranjas para irem na Best Buy retirar seus televisores pelo preço anunciado. Enquanto isso, evidentemente, a loja alvo da ação começa também a receber clientes querendo comprar televisores. Nathan, sempre um passo à frente, já esperava por isso: ele impõe um dress code rígido para pessoas entrarem na loja, só aceitando quem estiver vestido com trajes de gala.
Quando, fatalmente, clientes começam a chegar usando smoking e vestidos longos, eles descobrem que a loja vende sim televisores a um dólar, mas é necessário passar por uma sala com um jacaré vivo para pegar seu aparelho.
Enquanto isso, a Best Buy se recusa a vender TVs por um dólar. O descumprimento da política causa revolta em Nathan, que se dispõe a entrar em um processo contra a gigantesca rede varejista. Ele consulta um advogado que recomenda o recolhimento de provas contra a loja, como depoimento de funcionários dizendo que eles não respeitam a política de descontos.
Para capturar a confissão de um funcionário, Nathan cria um aplicativo de namoro entre funcionários de rede varejistas, na esperança de marcar um encontro com alguém da Best Buy. A essa altura, o dono da loja de eletrônicos já (finalmente e sabiamente) preferiu se retirar da ação, julgando que não seria legal um pequeno comércio como o dele abrir um processo contra a superpotente Best Buy.
No restante do episódio, Nathan consegue um date com uma funcionária da Best Buy, se encontra com advogados, ensina seu exército de laranjas sobre como agir nos tribunais e, depois disso tudo, como é comum acontecer na série, o episódio ainda termina de forma doce, com uma nota de esperança.
A complexa engenharia de Nathan For You
A fórmula se repete por diversas vezes: as ideias de Nathan tomam caminhos absurdos, constantemente deixando os telespectadores olhando para os acontecimentos e pensando “como diabos a gente chegou aqui?”. Não é surpreendente que diversas ações de Nathan tenham sido noticiadas em órgãos de imprensa antes de descobrirem que o programa estava por trás dela: vídeos virais, lanchonetes-paródia e até livros de estrelas fitness fazem parte do rol de idiotices levadas muito além do necessário pela equipe de Nathan.
Durante seus 32 episódios, as ideias de Nathan pairam naquele limiar difícil de achar, entre o absolutamente genial e o ridiculamente absurdo: unir uma academia a uma empresa de mudanças e cobrar de pessoas para levantar e mover móveis; juntar 40 empregadas para limpar uma casa em 6 minutos ao invés de depender de uma só que faça o trabalho em 6 horas; colocar uma caixa à prova de som em um hotel para que os pais possam trancar o filho enquanto fazem sexo; vender álcool para menores (só vender, eles não podem sair com a garrafa); exportar detectores de fumaça como instrumentos musicais para pagar menos impostos; transformar um bar inteiro em um palco de teatro e todos seus clientes em atores de improviso para furar uma lei que impede fumar em locais fechados… enfim, não só as ideias são maravilhosamente péssimas como Nathan vai muito além do limite do bom-senso para executá-las.
É difícil saber o quão roteirizado é o programa. Porque sim, podemos ver Nathan For You como um programa de pegadinhas, mas no exemplo dado, quem é o alvo da pegadinha? É ao mesmo tempo o dono da loja, a Best Buy, os laranjas que foram comprar televisores a um dólar, os clientes que se vestiram de gala para descobrir que têm que enfrentar um jacaré para comprar uma TV, a moça que teve um date em um Tinder para varejistas – talvez até o jacaré e o advogado consultado por Nathan sejam alvos dessa complexa rede de armadilhas. Não parece haver escrúpulos, então, que impeçam a equipe de roteirizar o negócio todo e enganar o público.
Mas a verdade é que dificilmente um roteiro seria capaz de capturar a natureza humana da forma crua como Nathan faz. O empresário, alvo principal da ação, parece sempre extremamente relutante em aceitar as absurdas ideias de Nathan – a credibilidade de um programa de TV cuja suposta existência é fortalecer empresas decadentes, junto com uma equipe inteira disposta a ajudar é o que geralmente pesa na decisão. Oras, o cara tem uma produção e uma equipe, ele deve saber o que está falando.
Também é preciso pensar que o programa acabou de repente, vítima da própria popularidade: os produtores começaram a encontrar muitos problemas em achar negócios que aceitassem a “ajuda” de Nathan depois que ele começou a ficar mais conhecido. Na quarta e última temporada, há diversas ações que, não por acaso, Nathan usa um disfarce ou só orienta uma equipe por trás da cortina. É o “paradigma de Ivo Holanda”: não dá pra ter um astro de pegadinhas porque aí todo mundo sabe que é pegadinha. O público do João Kléber claramente não se importa com isso.
O verdadeiro alvo de Nathan
Mas, ao contrário dos programas de pegadinhas que conhecemos, que baseiam suas piadas na reação de desconhecidos perante absurdos, Nathan For You traz o texto dos diálogos do protagonista e suas ações completamente ridículas como fonte de humor. Constantemente, Nathan joga para si mesmo o alvo da piada: ele é solitário, desajeitado, socialmente inapto e incapaz de perceber os próprios absurdos. Várias vezes, depois de uma fracassada tentativa de reerguer um negócio, Nathan termina em uma conversa desconfortável, na qual ele fala do vínculo bonito que eles tiveram ao executar seja lá qual foi o plano e termina perguntando se eles podem continuar sendo amigos, que tal sair na sexta à noite?
Esse aparente mal jeito de lidar com pessoas, já levemente pressionadas por uma produção televisiva e por terem aceitado fazer parte de uma ideia terrível, parece fazer baixar a guarda de pessoas que expõem revelações íntimas e realidades de si mesmas. Ajuda o fato de Nathan nunca rir nem julgar ninguém – ele visivelmente se segura quando um dono de posto de gasolina conta que bebe a urina do neto, mas ele não se abala nada quando uma corretora de imóveis confessa que foi estrangulada por um fantasma na Áustria.
De uma forma que é muito complicado explicar, Nathan tem um respeito enorme pelas pessoas que fazem parte de seu programa. Não à toa diversos personagens que o ajudaram retornam em temporadas seguintes – com o ápice da série sendo o episódio final de uma hora e meia: em “Finding Frances”, Nathan usa todas as suas péssimas ideias e o seu alto orçamento garantido pelo Comedy Central para ajudar um sósia do Bill Gates a reencontrar seu amor de tempos de colégio.
O series finale consegue ser ao mesmo tempo hilário e sensível, mas talvez (sou suspeito para afirmar) não funciona isoladamente como um filme. Ele depende do conhecimento prévio de toda essa carga dramática anterior. E consegue, em uma série sem arcos aparentes, terminar com uma nota de esperança e com um final apropriado para o personagem principal.
Nathan For You acabou em 2017, me deixando com a certeza de que eu vou sempre acompanhar qualquer empreitada que Nathan Fielder se meta: é aquele difícil equilíbrio entre o absurdo, o estúpido, e o genial que me fascina.