Noite Passada em Soho
Noite Passada em Soho é um pouco como fogos de artifício – tanto no bom sentido: colorido, excitante, de ascensão vertical; quanto no mau sentido: explode sem controle, tem um desenvolvimento abrupto e repentino que deixa um vazio nos olhos. É um filme de várias camadas. Talvez camadas demais para uma única crítica, então este texto é assinado pelo Paulo Martins, que gostou bastante do filme, e pela Amanda Ribeiro, que não curtiu tanto assim.
Thomasin McKenzie interpreta Eloise, uma jovem particularmente enamorada da música e visualidade dos anos 1960 que deixa a Inglaterra rural para estudar design de moda em Londres.
Estabelece-se cedo no filme que a mãe de Eloise, que cometeu suicídio ainda na infância de sua filha, era uma pessoa “sensitiva” e vulnerável a aflições espirituais, caminho que Eloise é advertida a identificar e evitar. Uma vez que Eloise é aceita na Escola de Moda, ela se muda para uma república estudantil em Londres. Após não se adaptar ao estilo de vida da república, em uma sequência altamente relacionável, ela se muda para a casa de uma senhora, passando a morar em um quarto iluminado pela placa néon do comércio da rua.
Então a narrativa assume um tom mais fantástico quando a moça passa a sonhar com a sua época favorita, os anos 1960, e como eram vividos pela personagem interpretada por Anya Taylor-Joy, uma aspirante a dançarina e cantora chamada Sandie. Eloise vive na pele (imagina-se que por consequência de sua sensitividade) a tentativa de ascensão de Sandie aos palcos de grandes venues de Londres. Sandie se desloca pelo meio através de seu talento e carisma até que seu destino se revela trágico.
O ruim do bom
Do lado positivo, é bom destacar que o Paulo é putinha assumida do Edgar Wright desde “Shaun of the Dead“. Ele entrou no cinema sabendo que ia gostar do filme e o gênero de suspense é o que ele menos gosta. Então a visão positiva é totalmente enviesada e tendenciosa, como não poderia deixar de ser.
A história sem pé nem cabeça é a mais fraca que já saiu da mente dele, ainda pior do que a invasão alienígena maluca de “The World’s End“.
O bom do bom
O filme é um festival de Edgar Wright em seu melhor. O diretor inglês virou especialista em gags visuais e interação de ação com música. E parece que às vezes ele simplesmente não consegue se conter: é possível encontrar mais de uma vez uma cena onde a ação se desenrola no ritmo da música. As brincadeiras visuais feitas com espelhos e com a troca de atrizes através de efeitos práticos são deliciosas de serem assistidas – até mesmo vídeos mostrando a coreografia necessária por trás das câmeras são divertidos.
Londres, como o título sugere, é fortemente explorada, principalmente o bairro boêmio do Soho, onde a história evidentemente se passa. Muitas das cenas foram gravadas nas ruas onde acontecem e, sendo uma das regiões centrais de uma das cidades mais importantes do mundo, deve ter sido um pesadelo logístico arquitetar toda a produção dessas cenas.
O bom do ruim
Já a Amanda tirou uma visão mais sóbria e menos passional do filme. Nos aspectos técnicos, o saldo é positivo.
A rotina de estudante de Eloise e suas imersões oníricas no mundo de Sandie são uma verdadeira aula de direção de arte, fotografia, figurino e cinematografia. O uso da cor e da trilha sonora na construção da ambientação são extremamente bem-sucedidos e a obra deixa a pergunta se trata-se realmente de um filme de horror. A premissa é interessante e captura a atenção do espectador com eficiência, como o rastro de um fogo de artifício: aí explode.
O ruim do ruim
É difícil revelar mais sobre o enredo sem causar spoilers, mas quando a resolução da premissa começa a se revelar, manifestam-se os mais variados clichês cansados do horror tipicamente medíocre, humor fora de lugar, e resoluções insatisfatórias.
Aplica-se um plot twist óbvio que deixa um sabor amargo, especialmente considerando que vivemos hoje um momento pós #MeToo, movimento pelo fim do abuso contra a mulher. A mensagem final do filme fica confusa e jogada, parece ter sido disparada com dedos cruzados pelos autores, torcendo para que os perdoássemos por um desenvolvimento fraco, um roteiro mal escrito e uma mensagem que é um tiro no pé de qualquer empoderamento feminino.
O que do quê?
E é isso: tanto o Paulo quanto a Amanda conseguiram ver os defeitos e qualidades do filme, porque ele está cheio de ambos. Pra quem for esperando um filme de terror e quiser ter sua cabeça explodida em uma história, talvez o show de fogos não valha a pena. Mas se você só quiser apreciar um dos melhores diretores da atualidade fazendo showzinho, Noite Passada em Soho é um espetáculo em noite sem nuvens.