O Clube dos Anjos
Publicado em 1998, “O Clube dos Anjos” é um livro do genial Luis Fernando Veríssimo. Ele é parte da coleção Plenos Pecados, na qual autores consagrados foram convidados a escrever obras cujo tema central girasse em torno de cada um dos pecados capitais. A Veríssimo coube a Gula e o resultado é o melhor livro da coleção, além da história favorita do próprio autor.
É o que diz a produtora do filme, Barbara Defanti (o sobrenome familiar é porque ela é a irmã do próprio diretor Angelo Defanti) “…a gente aqui na produtora tem uma trajetória longa com textos do Veríssimo, com adaptações no geral, mas principalmente com adaptações do Luis Fernando Verissimo. Conseguir fazer um longa de ficção juntos, que é uma adaptação do romance que Veríssimo considera a melhor coisa que ele escreveu, é realmente muito especial pra gente“.
Clube do Bolinha
E o trabalho foi realmente muito bem feito, a começar pela escolha de elenco. Marco Ricca, André Abujamra, Augusto Madeira e Paulo Miklos fazem parte do grupo de homens execráveis que se reúne para jantares hedonistas, tudo sob o ponto de vista do personagem de Otávio Müller, narrador do livro e do filme também. Depois que eles conhecem um excelente chef de cozinha (Lucídio, interpretado por Matheus Nachtergaele), a cada jantar, o prato favorito de um dos integrantes do grupo é preparado e eles se deliciam com a refeição. O problema é: quem repete o prato acaba morrendo.
Um roteiro tão simples e que explora tão bem o pecado da gula é só a base para uma história cômica, mas nem tanto. Houve um cuidado da equipe de trazer uma seriedade incômoda para o filme, para exacerbar a crítica implícita nas linhas do livro.
“Com alguma constância, alguns dos atores (e era natural) iam um pouco para uma atuação de comédia mais rasgada, de olhos arregalados. Sempre eu tentava podar isso e trazer para o realismo. Pois quanto mais séria aquela atuação, mais temas a gente consegue abranger. Do contrário, poderia ser que eles só são idiotas. Só são atrapalhados. Não! Há uma crítica porque tudo isso é encarado de maneira séria“, diz o diretor Ângelo Defanti.
A direção de Ângelo é bem acertadinha, em uma história que poderia muito bem ser teatral – e em alguns momentos realmente parece, mas de forma elegante, com elementos sobrepostos e mudanças de cena quase imperceptíveis, com uma fluência natural, sem cortes. O humor está lá, como não poderia deixar de ser, dado o autor da obra, mas consegue gerar um certo incômodo e, claro, reflexão sobre os personagens.
Comida de matar em O Clube dos Anjos
Isso porque o grupo de homens que compõem o elenco principal é um grupo totalmente execrável, de pessoas horríveis. Assistir esses personagens de péssimo caráter interagindo e destilando ofensas acaba sendo realmente engraçado, mas só até o ponto no qual o público se toca que existem pessoas daquele tipo, e um grupo horrível de “amigos” assim é mais fácil de se encontrar do que devia.
Com tantas pessoas detestáveis, matá-las deveria ser um alento. Ao perguntar ao Matheus Nachtergaele se ele conseguia ver um heroísmo em seu personagem, o cozinheiro assassino, ele para alguns segundos para pensar no assunto: “Não via o Lucídio como um herói, mas como um assassino de machos tóxicos sim, via. Existe sim essa camada. Ele está se vingando dessa toxicidade da qual a gente faz parte ainda, infelizmente […] Por mais que a gente se esforce para ser legal e ser diferente, a gente ainda quer matar em nós alguma coisa. Acho que o Clube dos Anjos mata um pouquinho na sua catarse nos cinemas, essa toxicidade do homem“.
No final, a gula parece ser o menor dos pecados do Clube dos Anjos.