O Homem de Palha e a intolerância religiosa
Em O Homem de Palha, Neil Howie (Edward Woodward) é um policial designado para investigar o desaparecimento de uma garota, e todas as pistas levam para a ilha de Summerisle.
Howie chega no local e descobre que os habitantes não estão muito dispostos a colaborar, o que aumenta a sua sensação de que eles sabem de alguma coisa. O policial, então, mergulha fundo nas investigações e descobre uma seita pagã da qual todos os habitantes da ilha fazem parte.
O Homem de Palha e a seita
O filme explora um recurso que já foi muito utilizado, as seitas pagãs, ou seja, aquelas que se desviam da religião ocidental tradicional e que muitas vezes não são compreendidas. Tudo bem que essa é uma ideia que, hoje em dia, já parece um pouco batida, afinal, em uma busca rápida é possível pensar em diversos filmes, especialmente de terror, que tratam do tema, como A Seita Misteriosa, Martha Marcy May Marlene e o mais recente, Midsommar – O Mal Não Espera a Noite, mas O Homem de Palha parece ser um dos primeiros filmes de terror a trazer essa ideia.
No filme, acompanhamos Howie, um policial extremamente racional e católico, que precisa investigar o desaparecimento de uma garota. Ele acaba na ilha de Summerisle porque todas as pistas o levam até lá. A chave para acompanhar O Homem de Palha é entender que Howie não consegue visualizar o mundo fora do seu contexto. Por isso, tudo para ele soa bizarro.
Galera estranha
É verdade que o comportamento dos habitantes da ilha não é usual. Eles se recusam a colaborar com a investigação e garantem que nunca viram a menina. Eles cantam durante a noite e fazem pequenos rituais quase diariamente, mas não são usuais para os olhos de Howie e, consequentemente, para os nossos.
O Homem de Palha é um filme de 1973 e vem quase na esteira de acontecimentos reais que envolviam seitas e que se desenvolveram em tragédias, como o caso da família Manson, um grupo de hippies, responsáveis por uma série de assassinatos e, surpreendentemente, precede a tragédia de Jonestown, uma organização religiosa na Guiana, onde o líder espiritual, Jim Jones, organizou um suicídio coletivo, então não é de se estranhar que o tema seja tratado aqui como terror.
A religião
Mas o grande tema do filme é a religião e, mais ainda, a intolerância religiosa. Howie é católico e chega a uma ilha onde todos os habitantes são pagãos. Sendo assim, ele estranha todos os comportamentos e rituais que se apresentam, como certamente, os habitantes da ilha estranhariam os comportamentos e rituais de qualquer outra religião.
Quando o policial chega à ilha, ele não só começa a fazer perguntas sobre a seita, como também a querer mudar o que ele vê. Em muitos momentos ele quer que os habitantes se comportem como cristãos e impõe a sua religião, quase como um catequizador.
O telespectador, que tem os olhos muito mais próximos de Howie do que dos habitantes da ilha, e que está assistindo ao filme do ponto de vista do policial, tem a tendência a entender tudo que vê como barbárico e absurdo.
Mas qual religião não é absurda, né?
Certamente a religião católica também soa absurda para os moradores da ilha, mas é bom lembrar que não foram eles que saíram da ilha e foram investigar outras religiões. Também é possível questionar se os rituais e métodos da seita são cruéis ou desumanos, assim como é possível fazer essa questão para toda e qualquer religião, inclusive a católica.
O Homem de Palha quer mostrar que normalidade é uma questão de percepção e de criação. O longa nem entra no mérito da lavagem cerebral que geralmente está atrelada a seitas e nem justifica ou explica o comportamento dos seus personagens, ele só mostra.
Aspectos técnicos de O Homem de Palha
O filme se define como terror ou suspense, mas está bem longe da ideia que temos hoje em dia de algo do gênero. Ele é significantemente mais lento e as coisas demoram um pouco para acontecer. Tudo bem que o filme constrói uma atmosfera tensa, que deixa o telespectador na expectativa de que algo estranho vai acontecer, mas ele não é exatamente um filme de terror psicológico.
O que também pode deixar o público um pouco confuso é o fato dos personagens começarem a cantar do nada, quase como em um musical. Isso geralmente não combina com filmes de terror. Este também é um filme claro, que se preocupa mais em mostrar cenas filmadas durante o dia, com bastante som e muitas cores, do que cenas filmadas à noite.
Assim, vemos poucas pessoas desesperadas e assustadas, o que contradiz não só a nossa ideia de como pessoas em uma seita se comportam, como também a de Howie, que chega na ilha acreditando que vai ser o salvador dos moradores e que não sabe muito bem o que fazer quando percebe que ninguém ali parece querer ser salvo.
Desconfiança e estranhamento
Mas isso também aumenta o seu potencial de assustar, uma vez que o telespectador, em muitos momentos, se vê no papel de Howie, afinal, chegamos à ilha com a mesma visão que o policial e sem entender como os habitantes continuam naquele lugar.
Talvez o filme não agrade tanto quem está acostumado a filmes de terror mais recentes, e certamente não é para o público que está interessado em jump scares e em cenas óbvias, mas O Homem de Palha é um filme que não quer só falar de terror, mas sim de aspectos reais da sociedade e usa as particularidades do gênero para fazer isso.