O Oficial e o Espião, justiça sob a perspectiva de Polanski
O Oficial e o Espião é inspirado em um fato real. No ano de 1884, o capitão Alfred Dreyfus (Louis Garrel) é acusado de alta traição e condenado ao exílio em uma ilha praticamente deserta, tendo seus protestos de inocência ignorados pelos companheiros.
Anos mais tarde, Georges Picquart (Jean Dujardin), um superior de Dreyfus, resolve investigar o caso do capitão para constatar se ele é de fato culpado.
O Oficial e o Espião – A condenação
O filme já começa com Dreyfus ouvindo sua condenação e, logo em seguida, sendo rebaixado e preso em uma ilha deserta. Depois disso, então, somos convidados a entender o que aconteceu.
O filme volta no tempo para explicar que existe um espião dentro do exército francês e que, embora não tivessem indícios claros de que Dreyfus era culpado, e tivessem indícios apontando para outros homens, o fato dele ser judeu pesava muito na ideia que os companheiros faziam dele. Isso, automaticamente, levou todos a acharem plausível que ele fosse o espião.
Dreyfus é o único judeu no exército, e todos os personagens são abertamente antissemitas, além de machistas e homofóbicos. Levando em conta que o filme se passa nos anos 1800, essa parece até ser uma situação realista e até costumeira, mas essa tecla é batida quase à exaustão, uma vez que até Picquart, que é, na teoria, o mocinho do filme, diz com todas as letras que não gosta de judeus. O único personagem retratado de maneira completamente positiva é Dreyfus, o acusado, que aceita tudo com uma abnegação quase celestial e só consegue clamar sua inocência desde os primeiros minutos do filme.
A justiça de Polanksi
Certamente que a vida de Dreyfus merece ser contada e representa um dos grandes casos de injustiça da história, mas é justamente por isso que devemos questionar a motivação de Roman Polanksi ao gravar o filme. O diretor é acusado de estupro por cinco mulheres diferentes, que em sua maioria, alegam que foram estupradas quando ainda eram menores de idade. O caso mais famoso, aconteceu em 1977, quando Polanski, então, com 43 anos, drogou e estuprou Samantha Gailey, que tinha na época, 13 anos.
O diretor diz que o ato foi consensual, ignorando totalmente a lei da Califórnia, local onde o estupro ocorreu, que diz que não existe ato sexual consensual com menores de 14 anos, e que Samantha não resistiu. Samantha, por outro lado, diz que foi drogada e que disse “não” várias vezes. O que importa no caso todo, é que mesmo que Samantha estivesse muda, ainda configuraria um estupro. Polanski foi condenado, mas fugiu para a França antes de ser preso e nunca cumpriu a sentença.
Sendo assim, é curioso que Polanski, que mesmo tendo sido condenado pelo estupro de Samantha, nunca foi rechaçado de fato, e inclusive ganhou uma série de prêmios durante todos esses anos, tenha achado interessante contar a história de um homem acusado injustamente, que foi rechaçado, condenado e banido para uma ilha deserta, justamente quando outras acusações de estupro surgiram e começaram a ser levadas um pouco mais a sério.
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Dreyfus é judeu, assim como Polanski e O Oficial e o Espião parece o tempo todo insinuar que o único motivo pelo qual o capitão está sendo condenado é a sua religião, uma vez que o antissemitismo é real e abominável, é possível e até muito provável que esse tenha sido o verdadeiro motivo dos ataques a Dreyfus. Mas é complicado dizer que esse é o motivo por trás dos boicotes que Polanski, condenado pelo estupro de uma menor de idade e acusado por mais quatro, vem sofrendo. É até desonesto por parte do diretor fazer essa relação, uma vez que tira a força das denúncias verdadeiras de antissemitismo.
Os personagens do filme repetem quase à exaustão que Dreyfus é judeu e, portanto, não é confiável e, por isso, deve ser o espião e que ele é o único judeu no exército, o que dá ao público a sensação de que Polanski crê que ele seja o único judeu na indústria do cinema, o que está longe de ser verdade, e que esse é o único motivo por trás da perseguição que ele vem sofrendo nos últimos anos.
Além disso, Dreyfus ataca os seus oponentes em cartas à sua família, dizendo que aqueles homens são piores que ele e mesmo assim, se sentem no direito de julgá-lo, mesmo que ele, Dreyfus, seja inocente. O discurso do diretor é cristalino.
Aspectos técnicos de O Oficial e o Espião
Tecnicamente falando, o filme é impecável. Ambientado no século XIX, o filme tem figurinos e locações que se adequam à época, e que colocam o espectador dentro da trama. A fotografia é escura, como a trama que ela retrata, que é de fato, repleta de injustiças.
Embora, O Oficial e o Espião queira falar sobre a injustiça que Dreyfus sofreu, o filme tem uma parte investigativa que é muito bem feita e clássica dos filmes de Polanski. Ele também recupera temas comuns aos filmes do diretor, como o antissemitismo, que está muito presente em O Pianista, e que parece ser uma questão que o interessa, uma vez que seus pais morreram no holocausto e que ele mesmo é um sobrevivente dessa barbárie.
A história de Dreyfus merece ser contada, justamente para que esse tipo de coisa não se repita. O preconceito aparece no filme de maneira natural e quase gratuita, mas não é por isso que ele não é verdadeiro ou que ele não deva ser condenado.
O elenco
O filme tem um grande elenco, que se sai muito bem. Garrel e Dujardin carregam o filme nas costas, mas outras atuações também chamam a atenção como a de Mathieu Amalric. A personagem de Emmanuelle Seigner parece um pouco deslocada na trama, uma vez que aparece apenas como amante de Picquart e fica restrita a esse papel e que a relação entre Picquart e Pauline Monnier, a personagem de Seigner, é a parte menos interessante de um filme que fala sobre espionagem, traição e investigação.
Por isso que O Oficial e O Espião é por si só, um bom filme, como boa parte da filmografia do diretor. Entretanto, é importante questionar quais são as intenções de um homem que tem uma condenação de estupro a uma menor de idade e uma série de outras acusações, quando ele faz um filme sobre uma grande injustiça da história.
Quando se sabe um pouco do histórico do diretor, perde-se uma parte da credibilidade que é depositada no filme e, por consequência, na trama de Dreyfus, que deveria ser acreditada e finalmente, receber a justiça que era sua por direito.
O Oficial e o Espião chega aos cinemas no dia 12 de março.