O Poder da Espada, de Joe Abercrombie

Os acertos de Abercrombie com sua primeira série de sucesso começam quando ele joga na lama os conceitos estabelecidos na fantasia e trata seus personagens como se fossem amigos chapados de um roda de bar.

O autor tem uma escrita poderosa com bastante personalidade, mas de maneira alguma seu texto é empolado ou pomposo, algo que se espera de autores do gênero. Sendo um dos mais fieis escudeiros de George R. R. Martin que encontrei entre os contemporâneos, Abercrombie usa tudo o que aprendeu com o mestre de As Crônicas de Gelo e Fogo (os PDVs, os momentos inesperados, o contexto cru, o fantástico soando estranho entre o realismo etc) e faz do seu próprio jeito, mais solto e jogado, mas nunca pobre ou simplista.

Seus personagens são ordinários e claramente anti-heróis. Temos um esgrimista jovem e egocêntrico, esnobe e de alta elite, a típica figura colocada como contraponto de um herói, que aqui ganha as vezes de protagonista… Ao lado de um nórdico brucutu, à lá Conan, com um passado sangrento, mas que mesmo ao modo selvagem ainda guarda tanta experiência quanto sabedoria e é o mais temente dentre os homens, o que torna o mais crível também. Do outro lado, temos um ex-grande-soldado agora feito manco, quebrado e banguela, que passa metade do dia resmungando, no outro sentindo prazer na queda alheia, pelo pouco que lhe restou depois de perder tudo. Temos também um mago, em definitivo oposto ao clássico estabelecido por Gandalf, tanto na prática da magia, quanto na fisionomia, ainda que o perfil e a instabilidade emocional guardem certas semelhanças. Também temos uma moça improvável, ex-escrava, que caminha só pela vingança, numa energia envolvente, ainda que angustiante; do outro lado, outra jovem, totalmente despida do machismo presente na literatura do gênero, se provando uma figura muito além do que a história se espera dela, deixando isso evidente a cada linha.

Abercrombie conduz esses personagens e outros tantos como se eles fossem qualqueres e os joga na crueza de um mundo em guerra, dividido ao meio, entre o centro (onde tudo se espera que orbite e por isso mesmo é uma maçã podre), com o norte tomado por um novo e terrível guerreiro (e as ações que ele comanda por ora me lembraram o que vem sendo feito no mangá The Seven Deadly Sins), enquanto que no sul um imperador-ditador muda as regras do jogo causando um amargor geral. Fornecendo os devidos pontos de vista em capítulos de terceira pessoa, o autor mostra o que cada figura pensa, mesmo que diga ao contrário e nunca, jamais, eu ri tanto lendo um livro, como ri em O Poder da Espada. Nem mesmo com Percy Jackson, que é uma série meio voltada nesse tom. Mas não é um riso de nervoso, foram gargalhada das boas, como numa roda de bar mesmo, ou numa maratona de Two And Half-Men. O humor negro está impregnado em todo o texto, mas não faz nada soar bobo ou leviano, participando da narrativa como um elemento essencial, entre batalhas sangrentas e nunca nobres, e sequências estranhíssimas envolvendo magia negra, prováveis entidades demoníacas e até mesmo assaltos a beira da estrada, que culminam em banhos de… sangue.

Destaque para o antigo bando de Logen, com seis caricaturas de bárbaros pra lá de bem-vindas, que fornecem alguns dos melhores momentos do livro. O próprio Nove Dedos é alguém interessante de acompanhar, ainda mais quando vemos seu lado Sangrento despertar. Ferro é uma figura curiosa, mas ainda não disse a que veio. Glokta é o Tyrion da vez, por isso amamos odiá-lo, mas o que realmente sentimos ali é pena. Outro improvável de se gostar, mas logo estamos torcendo, é Jezal. Bayaz é sensacional, Ardee é apaixonante e Fenris precisa de mais espaço, porque ele já me assustou o suficiente.

O penúltimo capítulo se arrasta num momento anticlimático e excessivamente descritivo, a missão nunca é esclarecida e o golpe final fica por conta do livro, mesmo fazendo parte de uma trilogia, não ser autocontido. Ele não tem desfecho, com final aberto, e deixa um gosto ruim de quero mais. Por melhor que o livro seja, confiar tanto na história a ponto de não dá-la uma conclusão digna me parece pretensioso demais, algo que a trama nunca aponta (ela não é pretensiosa, pelo contrário). É claro, quero e lerei suas continuações, mas eu esperava pelo menos um encerramento aqui, com alguns detalhes melhores esclarecidos. Me sinto levemente enganado e embromado, ao chegar a última página com dezenas de pontas soltas.

De qualquer maneira, sou o tipo de leitor que considera a experiência de leitura num todo e ela foi realmente incrível, ainda que o final tenha me desapontado pela abertura besta. Joe Abercrombie entrou no meu top 10 autores prediletos de fantasia e ganha pontos por saber tratar tão bem o gênero com um sabor completamente diferente, meio amargo meio azedo, meio incompleto até, mas revigorante a sua maneira. Sim, a leitura é recomendável para todos os consumidores do formato, mas já vão sabendo que é um livro dependente dos dois que virão a seguir.

O Poder da Espada

O Poder da Espada é um livro envolvente, que sabe equilibrar os clichês do gênero de um jeito completamente novo, divertido e terrível ao mesmo tempo, mas que perde pontos próximo do final

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