Os Miseráveis, candidato da França no Oscar 2020
Os Miseráveis, de Ladj Ly, ganhador do prêmio do júri em Cannes 2019 (empatado com Bacurau, de Kleber Mendonça) é um filme que sobrevive em cima de clichês. Na trama, um policial do interior (Damien Bonnard) é recrutado para patrulhar as ruas da periferia parisiense, então conduzido por dois corruptos colegas da Brigada Anti-Crime. Nesse percurso, conduzido pelo filme em um par de dias, ele toma contato e toma partido de desavenças entre os policiais e os diversos grupos com os quais se relacionam, e os grupos entre si.
Com muitas tomadas aéreas (os drones são tão importantes aqui que até fazem parte da trama) e câmeras tremulando em meio às correrias, assistir a esse Os Miseráveis é, dentre outras coisas, ressentir a fantasia de vingança que emana, por exemplo, de Tropa de Elite; nesse sentido, aponta como um forte candidato ao Oscar 2020 de melhor filme internacional (como passará a ser chamada a categoria de melhor filme estrangeiro). E traz parescências com o já citado Bacurau: uma punição redentora se aproxima?
Quanto aos clichês? Inúmeros. Uma narrativa que descreve policiais como corruptos e violentos que justificam suas ações pelo ambiente, num estilo behaviorista que o cinema americano tanto ama; a população da periferia como bandidos e desajustados, além de oprimidos por quem deveria protegê-los; um “herói” que busca a todo momento o reconhecimento do público; um clímax previsível dentro do dramático. E tudo amarrado pelas cores da bandeira da França, logo no início da trama. Uns dizem aos outros: Viva a França. E, aí, Cannes mordeu a isca.
Os Miseráveis
O filme mantém o ambiente de tensão continuamente, e se sai bem nesse quesito; entretanto, ele é comercial, no sentido de que agradará a um público desejoso de ver violência infantilizada na tela. Como está apoiado em montanhas de previsibilidade (policiais corruptos versus máfias variadas), não há interesse em se aprofundar na construção psicológica de nenhum elemento de nenhum dos grupos abordados.
Também não se deseja mostrar laços familiares mais profundos e humanizadores sequer do protagonista: em uma hora e quarenta minutos, tudo é curto e grosso. Assim, o importante é manter o ar cheio de tensão incessante, e não permitir que amenizemos nossos desejos catárticos. E, como cereja do bolo, citações de Victor Hugo que soam como justificadoras para tudo o que vemos. É reservado também às crianças um papel decisivo, à la Mad Max 3, de uma forma que talvez represente a pior fraqueza do roteiro: a falta de credibilidade da solução que as envolve.
Porém, dentro desse jogo comercial, de consumo fácil por grandes públicos conservadores, Os Miseráveis mantém o sangue quente e nesse aspecto cumpre o que propõe e, assim, novamente, entra firme na disputa pelo Oscar; contudo, é muitos pontos menos interessante que Bacurau e, certamente, que Parasita, filme coreano que concorrerá com ele pelo Oscar e que venceu o Globo de Ouro.
Fica a sensação estranha, enfim, de que tomaram o santo nome de nosso caro Victor em vão. Os Miseráveis entra em cartaz dia 16 de janeiro.