Personalidade e identidade em Taika:Rag…Thor: Ragnarok

O grande trunfo da qualidade deste filme tem nome: Taika Waititi, diretor autoral que veio do cinema indie, cheio de personalidade e que não perde sua marca nem mesmo dentro da máquina do UCM, imprimindo a todo instante seu estilo marcante em cada cena, enquadramento e condução, que não se relega somente as piadas (que são muitas, mas justificadas e bem distribuídas, jamais gratuitas). Tendo concebido a obra-prima de falso documentário com O Que Fazemos nas Sombras e o elogiado Hunt for the Wilderpeople, Taika foi uma escolha improvável da Marvel, para um filme de premissa trágica e sombria.

Os acertos do diretor ficam evidentes logo nos primeiros 20 minutos: quando ele consegue, de maneira absurdamente competente, amarrar todas as pontas soltas deixadas por Thor: Mundo Sombrio e Vingadores: Guerra de Ultron, usando a peça teatral de um lado pra relembrar dos eventos que colocaram Loki no poder de Asgard fingindo-se de Odin, enquanto que do outro, temos a solução simplificada de Thor preso no reino de Surtur — personagem este, não subaproveitado e fazendo um ótimo link no final, mostrando que além de mão firme, o diretor também consegue fazer uma narração cíclica, sem deixar que nada escape, nem nenhum personagem fique mal aproveitado.

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Ainda que o destino do quartet… (ops, Sif, foi mal) digo, trio de amigos do protagonista logo sejam descartados (e mesmo assim de maneira honrosa), todos os demais tem uma função narrativa, maior ou menor, provando que Taika não consome gorduras e sabe fazer bom uso das vantagens de suas proteínas. Dessa forma, as participações especiais de Dr. Estranho e Odin fecham as pontas que faltavam (com o primeiro dando a amarra padrão que o UCM tanto precisa, e o segundo se despedindo com chave de ouro e uma revelação nada gloriosa) — além daquele ator naquela cena, né, gente, que demais. Chris Hemsworth está mais a vontade do que nunca no papel do Deus do Trovão (e aqui de fato fazendo jus ao nome com uma jornada do herói diferente e funcional, que funciona do começo ao fim). É difícil compreender as reclamações de alguns marvetes, afinal desde o primeiro filme o bárbaro loiro foi mostrando com um egocêntrico bufão, cheio de momentos cômicos próprios, em dois filmes medianos que nunca encontraram uma voz própria — aqui, finalmente achando sua voz definitiva, cheia de personalidade.

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Tessa Thompsom está formidável no papel da Valquíria, de longe a melhor personagem do enredo (quiçá, de todo o Universo Marvel, e não estou exagerando). Frustrada pelo passado trágico e falho, da qual foi a única sobrevivente, ela agora serve a um Celestial em um planeta distante, enquanto espera a morte chegar no meio do álcool. Eu realmente gostaria de ver um filme só dela, uma personagem tão bem resolvida, com um arco dramático próprio bastante funcional. Sem contar que ela, toda malandra, é muito apaixonante também.

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O Hulk, o Executor e o Korg também possuem seus próprios mini-arcos e estão divertidíssimos. É impossível não gostar desses três personagens, que funcionam sempre que surgem em tela (e Karl Urban nunca desiste de nos surpreender com seu asgardiano inconstante). É muito satisfatório ver que finalmente encontraram uma solução para que o gigante esmeralda coexista dentro de toda essa engrenagem. A química dele com Thor é excepcional, relegando o cansativo e desgastado Loki ao seu lugar de direito: uma ferramenta de narrativa para linkar os pontos faltantes, enquanto trai aqui e ali e faz suas próprias pequenas reviravoltas pra não perder o brilho para o seu fandom (que eu não consigo entender).

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Brilhante também estão: Cate Blanchett, mais linda do que nunca, em sua fatal Hela; e Jeff Goldblum, com um afetado e engraçadíssimo Grão-Mestra. A entrega de ambos para seus personagens vai além do esperado e eles se divertem em tela. A participação de Stan Lee aqui também é uma das mais criativas. Heimdall fecha com um papel burocrático, mas muito necessário em seu viés de “Moisés através do mar vermelho”. E tudo isso embalado em uma trilha sintetizada e oitentista empolgante, que orna na composição geral.

Diferente do que os nerdões especialistas tão apressadamente gostam de apontar (e de repetir, na mariavaicomasoutrasnice), este longa não é mera e somente uma “comédia de super-heróis”, indo anos-luz disso, não se relegando a um gênero de piada só pela piada como o superestimado Deadpool faz ou do que o bocejante Guardiões da Galáxia 2 jamais consegue alcançar. Diferente de James Gunn, que só compreende um lado da moeda, Taika Waititi — que é muito mais diretor — não só sabe como essa máquina funciona, como sabe dosar outros elementos no meio de tanta galhofagem, colocando drama e até mesmo tensão, nunca exagerando a mãos nas sempre competentes cenas de ação em CGI (a luta no coliseu é brutalmente divertida, enquanto que a batalha em Asgard é bastante vistosa sem cansar a vista), ao mesmo tempo que não se preocupa em relacionar Ragnarok com o restante do UCM, primeiro porque nessa história realmente não se faz necessário, com clímax e desfecho muito bem resolvidos.

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Thor jamais perde seu protagonismo para outros desvios, como nos filmes anteriores e ganha pontos de carisma em seu arco, agora completo, com uma perda e um ganho pra lá de impactantes, mas que ao mesmo tempo me parecem resolver o personagem dentro do todo, abrindo espaço para novidades no futuro. No mais, a primeira cena pós-crédito soou mal-explicada como sempre, ainda que se faça entender, e a segunda não chega nem perto das piadas do filme, sendo descartável.

Taika: Ragnarok, ou melhor, Thor: Ragnarok, é o primeiro filme com mais personalidade e autoria dentro do Universo Marvel, contando uma história com começo, meio e fim, entretendo na mesma medida em que diverte e nos emociona, em uma obra completa que vai além da herança visual de Kirby e alcança seus próprios méritos, ditando uma nova fórmula para filmes de super-heróis. Um jeito meio Aventureiros do Bairro Proibido de ser. Que fantástico.

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