Sociedade do Medo

Uma reflexão sobre a epidemia do medo que assola a humanidade

Que época é esta em que vivemos, em que dependemos de documentários como Sociedade do Medo para termos em nossa cara, num resumo de pouco mais de uma hora, do ambiente permanentemente tensionado que nos rodeia ao longo do globo, não é mesmo? O chocante não está apenas na atualidade do que vemos na tela, mas, também, a percepção de que este não é um documentário sobre o passado: todos os desvairios da humanidade são repetidos à exaustão e continuamente.

O filme é sobre o medo: suas origens, seus tipos e suas consequências. Ao diferenciar o medo instintivo, herdado do sentido de preservação (gastando um tempo reduzido neste tipo) do medo produzido pelo semelhante sobre nós, o documentário se debruça sobre o que realmente deseja: discutir como a vida em sociedade imprime, em todos nós, pesadelos que geram rancor, separação e crueldade.

A religião será o início de tudo: assumindo que um deus tenha origem no medo aceitável da morte (a consciência de que estamos aqui e racionalizamos tudo que nos acontece e acontece à nossa volta é a nossa maldição), a construção de uma fé coletiva serve, entre outros propósitos, para nos afastar do que Hobbes diz ser “o homem como lobo do homem”.

Sociedade do Medo

Sociedade do Medo

Será, entretanto, e aqui sugiro um aprofundamento aos interessados pelo tema, a criação de deuses oriunda apenas do medo da morte? Novamente usando a consciência como fenômeno atormentador: a busca pela explicação de fenômenos naturais; o acesso ao campo dos sonhos e o uso de plantas de natureza alucinógena desde o início da espécie humana, que produzem sensações e visões de um hipotético “outro mundo”, tudo isso não ajuda a conceber a necessidade de divindades?

Em seguida, o filme caminha para imagens e entrevistas apoiando a ideia de que o ser humano é um “especista”: considera a si mesmo a única espécie que realmente é relevante, a suprema, o topo da cadeia natural. Ao se entender que a natureza se manterá realizando seus “atos de amor” mesmo que saiamos todos nós de cena em algum momento, Sociedade do Medo nos ensina que é bom refletirmos sobre o quão poderosos somos.

É esperado em seguida, e é o que acontece, que encaremos cenas de autoritarismo ao longo dos tempos: líderes que, apoiando-se em estudos da natureza humana de séculos e séculos, manipulam as massas, através do medo e da ignorância (gerados pelas religiões ou por outras estruturas políticas geradas ou assemelhadas a elas), prometendo benefícios e apoiando-se no desejo de estarmos em grupo, ao mesmo tempo em que desejamos a destruição de tudo.

Assuntos sensíveis e universais

Nesse ponto, o documentário só acrescenta algo novo em falas como as de Ailton Krenak e Benny Briolly. Também serve de nota que ele foi iniciado antes e finalizado depois da pandemia de COVID-19 e da guerra da Ucrânia, reforçando a urgência do tema medo e dando um caráter de senso de oportunidade ao projeto. Adriana L. Dutra resolve acrescentar, como esperado, imagens desses eventos ao final.

Mas é no final que o filme decai: sentindo a necessidade de apresentar caminhos de salvação (isso é obrigatório?), as falas entram num campo piegas, vago, superficial e de autoajuda. Tornam-se desinteressantes e batidas. Melhor seria se nos entregássemos à incômoda sensação, ao final, de que pode não haver esperança. Por que, sinceramente, haveria de haver?

Produzido pela Globo Filmes, Sociedade do Medo não mudará nossas vidas e não deverá mudar mentalidades, mas poderá apoiar bons papos, caso um dia o mundo esteja menos triste. Porque, neste momento, repare pelas ruas: as pessoas estão mais tristes e individualistas do que nunca.

Sociedade do Medo

Nome Original: Sociedade do Medo
Direção: Adriana L. Dutra
Elenco: David Carroll, Francis Wolff, Marcelo Jasmin
Gênero: Documentário
Produtora: Inffinito
Distribuidora: Forte Filmes
Ano de Lançamento: 2022
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