Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal
O cinema americano é perigoso. Ele consegue nos fazer sair de um filme sobre um notório e verídico serial killer com uma pulga atrás da orelha. Será que tenho traços que me aproximam dessa mente? Tenho potencial para fazer o que Ted Bundy fez? Eu era um cara classe média tímido na escola, mas com bom desempenho e razoavelmente popular; sou fanático por black metal desde adolescente, e isso nunca me abandonou; quando criança, lembro-me de ter encontrado num terreno baldio, um gato morto, e todos os dias eu ali passava e via a lenta decomposição do animal: aquela progressão lenta exercia fascínio sobre mim.
A morte, na minha cabeça, tem a cara gótica sexy digna de um personagem de Gaiman. Portanto, temam… não, pera. Tenho problema em ver sangue, e só de pensar no nosso viscoso líquido avermelhado fico com fraqueza nas pernas. Bom, então acho que está tudo bem. Mas, ao sair de Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal, algo fica claro: qualquer um de nós é capaz de um nível inimaginável de atrocidades e estamos mais próximos desse nível do que acreditamos. Porque somos humanos. Assim como Theodore “Ted” Robert Bundy.
Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal
A história do sanguinário assassino em série, estudante de Direito e Psicologia, inteligente e sedutor, condenado pelo estupro e morte de 36 mulheres (além de suspeitas acerca de uma centena de outros casos) nos anos 70 é ainda bastante viva na cabeça do povo norte-americano. Entretanto, para nós aqui na Terra Brasilis a imagem de Bundy é mais fraca. Sendo assim, estamos mais vulneráveis à condução do olhar que o filme de Joe Berlinger, experiente documentarista (que assina também a série “Conversando Com um Serial Killer”, 2019) acaba por propor: a dúvida.
A primeira parte do filme constrói a imagem de Bundy a partir do olhar de Liz Kendall (Lily Collins – “Espelho, Espelho Meu”), autora do livro no qual o filme se baseia e ex-namorada do assassino, com o qual manteve um relacionamento durante seu período de crimes. Assim, nesse primeiro momento da trama, nós compartilhamos da relutância de Liz em entender o que está acontecendo. A atuação titubeante de Collins imprime à figura de Kendall um ar frágil, alimentando em nós o receio que emerge da visão da garota nos braços de um possível pervertido.
O “segundo ato” se dá com a câmera acompanhando quase que exclusivamente o percurso individual de Bundy no aparato judiciário, e testemunhamos sua luta para provar inocência em meio ao sistema prisional de Utah, Colorado e Flórida, o que pode render ódios e amores.
O que esperar
O filme é conservador, no formato consagrado da indústria ao qual chamamos de “cinemão”. Ou seja, enquadramentos dentro do padrão, condução profissional, sem invenção. Ora, e por que mudar? Pensando no olhar do público estrangeiro, para o qual é criada uma narrativa que reforça o carisma, charme, articulação e beleza física de Bundy (Zac Efron, provando que o passar do tempo está lhe fazendo bem) e a indução a uma sensação de incerteza sobre sua culpa, nada melhor do que a receita que Hollywood testou e aprovou ao longo de tantas décadas de cinema de entretenimento. Dúvidas no início, tensão controlada milimetricamente durante todo o tempo, desembocando numa conclusão que produz uma sensação de deslocamento no espectador, mas em intensidade suportável para que possamos tocar a vida.
Cabe então aqui uma curiosidade: procure encontrar no filme a ponta de James Hetfield, vocalista do Metallica (banda abordada em outro documentário de Berlinger, “Some Kind of Monster”, de 2014). A presença de John Malkovich como o juiz que conduz o julgamento final de Bundy traz, também, um toque de elegância, como ele faz muito bem.
Sim, todos nós somos capazes de produzir horrores. Como consta, muito apropriadamente, da conversa esquizofrênica no refrão de “Am I Evil?”, da banda britânica Diamond Head:
“Am I Evil?”
“Yes, I am.”
“Am I Evil?”
“I am man; yes, I am.”