Vingança – Um filme de ação do ponto de vista feminino

Jennifer (Matilda Lutz) vai passar um final de semana com seu namorado Richard (Kevin Janssens) em sua casa de veraneio. Richard é casado, mas esse não parece ser um problema para Jennifer, que está ciente de seu papel.

Quando os dois chegam lá, no entanto, eles encontram dois amigos (Vincent Colombe e Guillaume Bouchède) de Richard, que não deveriam estar presentes.

O que começa como um final de semana agradável, vai se tornando cada vez mais perigoso, quando os amigos de Richard se sentem no direito de assediar Jennifer e quando, mais tarde, o namorado se recusa a denunciar os amigos, levando Jennifer aos seus extremos.

Machismo em Vingança

Quando o filme começa, Jennifer, a protagonista, está em um lugar de conforto e em muitos aspectos, de luxo. Ela é jovem, bonita e sensual, namora um homem mais velho, que é casado, mas que reserva para ela só as partes boas da convivência. É por isso que os dois resolvem passar um tempo na casa de veraneio de Richard.

Jennifer é retratada como a maioria das amantes do cinema são. Ou seja, extremamente sexualizada, com roupas curtas e um pirulito na boca, o que já deixa claro o que ela foi fazer na casa de seu namorado. Ela é o oposto da esposa, que está em casa com os filhos. Esta só aparece em uma ligação de telefone, onde, naturalmente, cobra Richard.

Para o telespectador fica claro que a relação de Jennifer e Richard é baseada em luxos, presentes e confortos que ele pode dar a ela e uma vida sexual ativa e mais interessante que ela pode dar a ele. A protagonista parece saber que Richard é casado, mas também parece não se importar, e estar completamente confortável em seu papel de amante.

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Jennifer é retratada como uma garota legal, disposta a fazer tudo que o namorado quer, enquanto se mantém sexy com roupas pequenas. E que diferentemente da esposa, não o cobra e está disponível sempre que ele deseja. Jennifer é tão legal que quando os amigos de Richard, que possivelmente vão estragar o final de semana romântico do casal, aparecem na casa, os recebe bem e não demonstra nem um pouco de nervosismo ou tristeza por ter seus planos estragados.

Assédio

Richard, embora contrariado, aceita que os amigos fiquem com eles e, naquela mesma noite, os quatro se divertem, bebem, trocam confidências, e Jennifer até dança de maneira provocante com um dos amigos. A mulher não se mostra incomodada em momento algum.

Os problemas começam no dia seguinte, quando Richard sai e deixa a namorada sozinha com Stanley e Dimitri. Não demora muito para que a situação comece a sair do controle e as pequenas piadas se tornem assédios e os assédios, finalmente, se concretizem em um estupro, perpetuado por Stanley, que Dimitri testemunha, mas não só NÃO interrompe, como sai do cômodo para deixar o amigo mais à vontade.

Jennifer, sem reação, se recolhe ao seu quarto e é aí que o estereótipo que foi implantado a ela começa a ruir. Se antes ela era uma mulher extremamente sensual e provocante, que só demonstrava luxúria, agora Jennifer aparece coberta, deitada na cama e chorando copiosamente.

E aí?

Quando Richard chega em casa, ela conta tudo para o namorado, na expectativa de que ele denuncie o amigo e a leve para casa. Para a surpresa dela, Richard lhe oferece dinheiro para que ela “recomece a vida” e se recusa a culpar Stanley pelo ocorrido.

Na tentativa de se livrar da namorada, que não aceita o dinheiro, Richard a empurra de um penhasco, sem qualquer remorso, mas isso não é suficiente para acabar com a mulher, que sobrevive e volta determinada a se vingar de cada um daqueles homens.

A vingança

A segunda parte do filme Vingança então, é completamente diferente. Jennifer, quase renascida da morte, retorna disposta a encontrar Stanley, Dimitri e Richard e punir cada um deles pelos crimes que eles cometeram em menor ou em maior grau. Em um crescente de violência, Jennifer caça os três, como se dessa vez, eles fossem as presas.

O filme traz uma reviravolta bem interessante para o cinema e mais especificamente para o cinema de ação. No começo, Jennifer é retratada como uma mulher jovem, extremamente sexualizada, que parece saber que o único propósito de sua existência é satisfazer Richard. Nos primeiros momentos do filme, ela é sempre vista de roupas curtas e com caras e bocas provocantes.

Depois do estupro, Jennifer se transforma, e a garota legal que estava disposta a aceitar os amigos de seu namorado se torna uma mulher machucada, que só espera que a pessoa em que ela confia possa ajudar. Agora ela é vista coberta, com maquiagem borrada e cara de choro. Quando seu namorado falha com ela, e lhe comete uma violência ainda maior que a de Stanley – no sentido figurado E no sentido literal – Jennifer se transforma em uma arma, disposta a matar e torturar.

Atitude

O filme não só inverte os papéis no sentido mais clássico dos filmes de ação, onde homens fazem coisas impossíveis e mesmo assim não se machucam, já que aqui Jennifer cai de um penhasco e sofre uma série de violências para além do estupro, mas continua de pé, como também dá a personagem feminina a chance de ser a caçadora e de ser a perpetuadora da violência.

Embora a situação que se apresenta aqui seja bem especifica, Vingança também fala sobre a violência à mulher que acontece todo dia, e que não é vingada ou sequer denunciada. A violência a qual Jennifer submete seus algozes soa justificada, depois que acompanhamos essa mulher ser diminuída a cada minuto, por cada um daqueles homens.

Jennifer

O filme é muito inteligente na criação e transformação de Jennifer. Ela começa como o arquétipo exato da amante: bonita, jovem, sensual e disponível. Ela aceita tudo, seja no quarto, seja a presença dos amigos de Richard na casa. Jennifer também parece ciente do seu papel e não pede mais do que isso. A plateia quase se sente na obrigação de a classificar como fútil e detestável, uma destruidora de lares, que não se importa com a esposa de Richard.

Quando ela é estuprada, pede a ajuda de Richard e recebe uma recusa, Jennifer quebra o estereótipo pela primeira vez. Ela não é mais a amante sensual, disposta a tudo para agradar o amante – inclusive um estupro -, ela é a namorada assustada que pede consolo e a ajuda.

A plateia então, começa a notar que talvez ela não estivesse tão tranquila no papel de amante, e que como qualquer pessoa, ela deseja respeito e apoio. Quando ela sofre uma série de violências, uma atrás da outra, Jennifer se transforma, mostrando finalmente, a mulher forte que é. Nessa parte do filme, a plateia já está completamente do seu lado, torcendo para que ela se vingue dos três homens terríveis que cruzaram seu caminho.

Evolução

Junto com a personagem, seu figurino, sua atitude e a maneira com que ela é filmada mudam completamente. Se no começo, ela aparece com pouca roupa, poses sensuais e uma maquiagem atraente, com o tempo o corpo de Jennifer, ainda que exposto, se mostra machucado, ensanguentado e cada vez menos atraente.

Não é de surpreender que a pose sensual e as roupas curtas de Jennifer, logo se tornem a desculpa perfeita para que Stanley a estupre, Dimitri finja que não viu e Richard tente calá-la. O longa passa por todas as desculpas absurdas que existem para culpar as vítimas de estupro. 1. ela ficou na casa com os três homens; 2. ela se colocou disponível para Richard; 3. ela mostrou interesse por sexo; 4. ela usou roupas curtas; 5. bebeu e dançou de maneira provocante; 6. deu abertura.

Mas quando nos mostra a revolta de Jennifer e nos coloca lado a lado com ela, o filme prova de maneira clara, que não existe nenhuma desculpa para o que esses homens fazem com Jennifer ou para qualquer ato de violência do gênero.

Aspectos técnicos de Vingança

O princípio do filme é bem interessante e, em muitos aspectos, inovador. A produção trabalha na chave dos filmes de ação, onde uma série de situações absurdas acontecem, mas o protagonista sempre sai ileso. O mesmo se repete aqui, afinal, Jennifer se machuca de todas as formas possíveis, mas não morre e se mantém irredutível. A violência que mais destrói Jennifer é o estupro, que diferentemente das cenas mais tardias do filme, não é violento.

Vingança é um filme realista? De maneira nenhuma, assim como todos os outros filmes de ação protagonizados por homens também não o são.

O roteiro parece repetitivo, mas não é. Na realidade, o que Vingança faz é pegar os arquétipos e clichês dos filmes de ação, e usar em favor da trama, que é mostrada quase que unicamente do ponto de vista feminino e que trata de assuntos que dizem respeito às mulheres, mesmo que aqui, situações cotidianas sejam levadas ao extremo.

E não é remake?

Em muitos aspectos, esta obra lembra filmes como “A Vingança de Jennifer” e seu remake “Doce Vingança” – inclusive nos nomes de suas protagonistas – mas enquanto esses dois passam vários minutos acompanhando os estupros cruéis e as violências que sofrem suas protagonistas, de maneira quase sádica, este aqui tem uma cena de estupro onde a violência está muito mais implícita, e onde as cenas pesadas ficam mais restritas ao que Jennifer faz depois de tudo que acontece com ela.

No entanto, o filme ainda é violento, tanto com Jennifer, quanto com os homens que ela persegue. A sensação que o telespectador tem assistindo à cena de estupro é completamente diferente da sensação que se tem assistindo sua vingança.

Vingança também funciona porque tem atuações fortes e significativas. O elenco é pequeno e se restringe basicamente aos personagens que estão na casa, mas todos eles se saem muito bem. Kevin Janssens, que interpreta Richard, muda de um namorado dedicado a um vilão durante o filme. Já Guillaume Bouchède e Vincent Colombe interpretam personagens odiosos, por quem a plateia só sente desprezo.

Mas o grande destaque é Matilda Lutz, que se transforma durante o filme e por quem o telespectador torce com todas as forças, mesmo que a trama de Vingança soe irrealista.

O que temos aqui é um filme de ação que coloca a mulher em um papel que normalmente é dedicado a personagens masculinos e que ao mesmo tempo fala sobre violência contra a mulher, mesmo que de forma exagerada.