Sintonia – 1ª temporada – Nova série brasileira da Netflix
O poder da escolha e as vertentes da fama, da fé e do crime
Sintonia conta a história de três jovens amigos, Doni, Nando e Rita, e a batalha de cada um deles para alcançar seus sonhos em uma favela em São Paulo. Ambientada no universo do funk, a história também foca em temas como criminalidade e religião. Idealizada por Kondzilla, a série é uma produção brasileira original da Netflix com 6 episódios.
Carregando a herança de produções nacionais do gênero, como Cidade de Deus e Cidade dos Homens, Sintonia mostra a realidade da periferia de São Paulo com a voz de quem veio da periferia de São Paulo, conseguindo carimbar suas próprias características. A jornada do trio é bem distribuída e diferente o suficiente para sustentar as oito horas de programa. Seus temas são explorados em equilíbrio, ora puxado pela curiosidade das escolhas que virão, ora nos sufocando pelo senso de gravidade e perigo real que muitas das cenas filmadas evocam.
Sem cair em julgamentos, o roteiro aposta na humanidade de seus personagens. Ou seja, tipos comuns que acertam e erram como qualquer um de nós. E como tais, fazem escolhas, muitas vezes duvidosas, e outras certamente errôneas.
O elenco de Sintonia
Parte dos trunfos da produção está no trio principal, com Doni, que sonha em ser um funkeiro de sucesso, porque tem algo a dizer com suas músicas, sendo interpretado por um músico na vida real: MC JottaPê (o que justifica sua grande habilidade nas cenas de palco, cantando e dançando), que também fez pontas em Avenida Brasil e Chiquititas quando criança.
A carioca Bruna Mascarenhas faz a paulista Rita e consegue convencer otimamente com seu novo sotaque (sinceramente eu não sabia que ela era do RJ, até ver uma entrevista) e também com a transformação de sua personagem, uma menina que vende produtos em estações de metrô e depois encontra vocação em uma igreja evangélica.
Christian Malheiros começou criança nos teatros e fez sua estreia no cinemas em 2018, no drama Sócrates, pelo qual foi nomeado aos Prêmios Independent Spirit de Melhor Ator Principal; aqui ele interpreta Nando, o mais sombrio do trio, que vem pouco a pouco calcando sua posição no mundo do crime. Assim, ele é responsável pelas sequências mais intensas do seriado.
O que esperar
Ainda há diversos outros personagens interessantes que contribuem para o fortalecimento da narrativa. Como por exemplo os divertidos irmãos barbeiros, a melhor amiga que se dá mal, o pai sensato, etc. A divisão da história em três subtramas (que também se coligam) proporciona expectativas em diferentes espectros, em universos contrastantes, e como cada um deles cobra seu tipo de preço.
A sintonia do título não está ali à toa. Isso é muito bem mostrado nesta dramaturgia, revelando a ascensão dos três em seus próprios mundos. Do garoto que canta para os amigos e de repente está cantando para uma multidão de fãs; da moça que fazia seu corre diário para ganhar o sustento e de repente está seguindo os passos da mãe em um ambiente evangélico; e do rapaz que começou laranja no crime e agora está se tornando o porta-voz do chefão, enquanto suja as mãos pelo caminho. Todos aqui precisam fazer escolhas difíceis, perdem bastante no caminho, mas continuam firmes e fortes porque tem uns aos outros. Assim, a sintonia ganha mais de um sentido na história.
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Por provavelmente planejar várias temporadas, alguns elementos ficam para depois, na construção natural do que foi proposto aqui. Nesse início, acompanhamos a escalada dos três, antes da suposta e inevitável derrocada. Talvez por isso, o roteiro não seja tão ousado ou corajoso a ponto de oferecer mais consequências pelos atos de alguns personagens. O assassinato de um policial fica por isso mesmo ou o empréstimo do agiota não parece tão arriscado quanto deveria. Assim como outros tantos momentos onde um pano quente é colocado. Isso gera um estranhamento a princípio e pode ser interpretado como furos de roteiro. Mas a produção ainda tem mais atributos do que problemas. Assim, essa falta de coragem acaba se tornando mero detalhe na mensagem principal, que ainda traz um desfecho otimista.
Não é necessário conhecer as músicas que tocam na trilha e são responsáveis por dar energia ao enredo, nem mesmo os nomes dos músicos homenageados durante os episódios (eu não conheço nenhum) para curtir o programa. Sintonia é mais do que funk, tráfico e igreja. É, acima de tudo, uma trama sobre pessoas e, mesmo que elas não pertençam ao mesmo cenário que o de alguns espectadores, elas ainda tem muito a dizer. E suas histórias vão te assombrar, te emocionar e te encantar, tudo isso em um ritmo de esperança.