Hilda – 1ª temporada, a infância revisitada
Com muita doçura, mistério e fantasia em uma produção sem igual
Adaptado dos quadrinhos de Luke Pearson (publicados no Brasil pela Cia. das Letras), Hilda é uma série animada britânica-canadense com 13 episódios de 20 minutos cada, produzida pela Netflix e narra a rotina e as aventuras de uma menininha que mora com a mãe no campo e convive com criaturas fantásticas do folclore escandinavo, até o dia em que elas precisam se mudar para a cidade de Trollburgo, onde a protagonista também deve aprender a conviver em sociedade.
Tecnicamente impressionante, a qualidade da animação beira a perfeição, sendo ao mesmo tempo um retrato fiel da graphic novel e de algo que remete aos Peanuts, trazendo leveza no traço e uma fluidez impecável na movimentação de personagens, criaturas e objetos, com cada detalhe e elementos de cenário sendo importantes no resultado final, que é de encher os olhos.
As cores são vibrantes, mas cobertas por certo tom pastel, o que contribui para transmitir a atmosfera meio gélida do ambiente. Fotografia e direção de arte alternam acertadamente de acordo com cada lugar que os personagens visitam ou passam. Seja na planície rodeada por montanhas e floresta, seja na cidade, tudo foi criado de maneira familiar e com total senso de continuidade.
Hilda
A protagonista de cabelinhos azulados é extremamente carismática, com uma fofura inerente de sua inocência. Ao mesmo tempo entrega uma sagacidade singular guardada a quem cresce no meio da natureza. Logo de cara o espectador compra a naturalidade pela qual Hilda e sua mãe lidam com os seres fantásticos, como elfos (pequeninos e invisíveis, até que você assine um contrato que permita vê-los); gigantes (geralmente pacíficos, mas que quase não são mais vistos no mundo atual); espíritos do lar (que vivem em locais da casa que não são utilizados); entidades do medo (representados inteligente e divertidamente como adolescentes rebeldes que manipulam os pesadelos das crianças); os temidos trolls (que apesar de uma fator histórico importantíssimo para o enredo, não são exatamente o que parecem); entre outras figuras diversas, como o bizarro e engraçado Homem de Madeira, que chega chegando e entra sem pedir licença.
Diferentemente de outra obra-prima, Gravity Falls, o fantástico e o estranho aqui não são questionados nem motivo de segredo (portanto, a comparação entre as duas animações também não cabem, já que possuem propostas distintas) e sim estão integrados na rotina da população, mesmo a de Trollburgo (que adora um corvo sagrado, que também depois se prova mais simples do que a imagem que criam sobre ele).
Mais personagens
Joana, a mãe solteira de Hilda, aliás, além desse detalhe que jamais é colocado como diferente (e por que seria?), é também retratada como uma mulher independente (em uma série com outras mulheres em papel de destaque) e bem resolvida (ela trabalha com publicidade, mas ao mudar de casa, continua em busca de emprego). A maneira como ela lida com a filha é bem crível, sem ser super protetora demais ou desleixada demais. Assim, ela permite que a menina bata perna por aí e curta suas próprias aventuras (que não são isentas de gravidade, como visto nos episódios em que ela se perde na floresta, do cão negro, do troll e do conflito climático), além de tratar Hilda como uma figura inteligente (o que ela é). Mais do que mãe e filha, elas são amigas.
Falando em amigos, David e Frida cumprem mais do que bem esse papel no elenco equilibrado da animação. O garoto não esconde sua masculinidade frágil e seu medo por praticamente tudo. Já a garota tem uma personalidade que equilibra o jogo com a protagonista, sendo responsável por alocar Hilda em vários contextos sociais, incluindo aí os escoteiros, o que permite uma abertura para novas aventuras.
Um acerto da Netflix
Trollburgo é uma cidade pequena, com casinhas bonitinhas e coloridas e completamente multiétnica. Afinal, além de pessoas brancas e negras, ainda podemos conferir asiáticos e muçulmanos, o que prova outro acerto da produção. Ela não se fechou somente na cultura escandinava para retratar suas figuras em tela. O folclore local é muito bem trabalhado, com a visão particular de Pearsons sobre as figuras mitológicas. Assim, traz elementos novos e divertidos para as criaturas, que ao mesmo tempo que as aproximam da nossa compreensão, ainda preservam suas características estranhas, visual e conceitualmente. A ideia por trás dos objetos caseiros que somem sem motivo, simplesmente porque não são mais usados, é brilhante. E tudo é embalado belamente pelo concept fofo. E não esqueçamos da trilha sonora, que transmite toda a atmosfera encantadora de maneira discreta, como se algo mágico estivesse por trás de tudo.
Mesmo quando algo na trama se agrava e parece irreversível, a solução chega de maneira simples (mas não simplista). O roteiro sagaz sabe como equilibrar conflito e diversão, sem perder a mensagem por trás, em uma série que não se preocupa em dar lição de moral, mas sim em contar uma boa história, bem animada e de um jeito diferente de outras produções do gênero. Assim é Hilda, uma menina diferente, mas tão comum como a gente.
Gostei muito da série.
Gostaria de uma nova temporada, mas tão boa quanto