Longe do Paraíso, o preconceito em todas suas formas
Em Longe do Paraíso, Cathy Whitaker (Julianne Moore) é uma típica dona de casa dos anos 50: vive uma vida confortável, em uma casa grande, é casada com Frank (Dennis Quaid) e tem dois filhos lindos. Ela considera sua vida perfeita, até o dia em que pega o seu marido beijando outro homem em seu escritório.
As convicções de Cathy, então, caem por terra, embora ela e Frank decidam permanecer casados e ele resolva fazer um “tratamento” para curar sua homossexualidade.
Se sentindo solitária, Cathy acaba fazendo amizade com Raymond Deagan (Dennis Haysbert), um jardineiro negro, com quem ela sente cada vez mais afinidade.
Longe do Paraíso – Preconceito
Aqui temos um filme que fala sobre preconceitos e como eles eram muito mais naturalizados antigamente. A trama se passa em 1957 e acompanha uma dona de casa que acredita que tem a vida perfeita. Tudo muda quando Cathy descobre que seu marido é gay. Os dois concordam que ele deve fazer um “tratamento” (que consiste em sessões de terapia e, eventualmente, terapia de choque e uso de hormônios) e que o casamento deve ser mantido.
No entanto, a partir desse momento, Cathy começa a se questionar. Ela mesma não consegue compreender o que se passa com o marido. Ela acredita que Frank está doente, visão que se complementa, quando o próprio Frank concorda com sua “doença” e aceita o tratamento.
Por que assistir?
Mas é aí que Longe do Paraíso tem uma reviravolta interessante e muito relevante para a mensagem que quer passar. Embora Cathy seja a típica dona de casa dos anos 50, ela também é bem moderna para a época em que vive. Cathy e o marido apoiam os direitos dos negros, o que para os anos 50 é, de fato, um grande passo. No entanto, mesmo apoiando os direitos de uma minoria, nem ela, nem Frank conseguem compreender que o fato dele ser gay é inerente à sua pessoa.
E por mais que eles concordem que a população negra deveria ter direitos, eles vivem em uma sociedade que pensa diferente e que discrimina não só homossexuais (escutamos as conversas de Cathy e das amigas, que embora não sejam explícitas, deixam isso mais do que claro), como também negros e é quando Cathy se torna amiga de Raymond, um homem negro, que ela percebe isso.
Empatia
O filme, então, usa da empatia para falar sobre o preconceito contra minorias, sejam elas quais forem. Cathy, se sentindo sozinha e abandonada pelo marido, que embora esteja se “tratando”, naturalmente, não consegue se livrar dos seus impulsos, fica muito amiga de Raymond.
Os dois começam a sair juntos e passar o dia conversando, o que, claro, acaba chamando atenção tanto da população negra da cidade, quanto da população branca. A relação de Raymond e Cathy passa a ser mal vista, mas não antes que Cathy perceba que essa relação, embora platônica, é um pouco mais forte do que amizade.
É dessa maneira que Todd Haynes, o diretor do filme, fala do preconceito contra uma minoria usando outra. O filme trabalha com diversas minorias sociais – os homossexuais, os negros e as mulheres. Cathy é uma mulher, mas vive em uma sociedade onde os papéis geralmente determinados às mulheres ainda não eram questionados. Assim, como ela se encaixa na figura ideal, não sofre muito pelo seu gênero.
Entretanto…
Já Raymond, que é negro, sofre preconceito mesmo que fique escondido, o que ele não faz. Enquanto isso, Frank, que é gay, considera isso uma “doença” e acha que tem que se manter escondido.
Quando Cathy fica amiga de Raymond e é mal vista tanto pelos negros, que estranham sua presença em lugares destinados só aos negros, quanto pelos brancos, que não compreendem como ela pode manter aquele tipo de amizade, ela entende o que é fazer parte de uma parcela da população que sofre preconceito e automaticamente, entende o que Frank sente.
E também é assim que Haynes consegue falar de preconceito e da situação dos negros e dos homossexuais nos Estados Unidos da década de 50.
Aspectos técnicos de Longe do Paraíso
A primeira coisa que chama atenção na produção é a ambientação. O filme se passa em 1957 e é muito realista, tanto em seus cenários, quanto em seus objetos de cena e figurinos. Longe do Paraíso apresenta roupas que parecem verdadeiras e que poderiam ter sido usadas na década de 50, elas não parecem uma fantasia, ou uma releitura atual da moda da época.
Isso torna o conteúdo do longa ainda mais realista e essa parece ser uma das propostas de Haynes. Longe do Paraíso é muito centrado na realidade e, nesse aspecto, é muito eficiente em mostrar como era a vida nos anos 50. Quando mostra que mesmo pessoas consideradas liberais, tinham dificuldade para aceitar negros no mesmo lugar que eles, ou não visualizavam a possibilidade de que existem pessoas gays, cai por terra toda aquela ideia que é repetida à exaustão de que na década de 50 tudo era maravilhoso.
Não é bem assim né…
O longa também mostra como era a vida das minorias na época, sem entrar muito fundo na questão, uma vez que a protagonista é Cathy e que acompanhamos majoritariamente a sua história. Raymond, por exemplo, tem a vida restrita aos lugares que aceitam negros. Assim, quando ele vai a uma exposição de arte frequentada por pessoas brancas, ele é olhado com desdém e curiosidade. Já Frank não consegue aceitar sua sexualidade e luta contra ela o tempo todo, e quando cede, é obrigado a recorrer a bares escondidos e relações obscuras.
O filme também apresenta uma série de boas atuações, primeiro de Julianne Moore, que é a protagonista, depois dos dois coadjuvantes, que aparecem menos, mas que ainda empurram a história para frente, Dennis Quaid e Dennis Haysbert. O longa ainda conta com atuações bem pequenas, mas contundentes, de Patricia Clarkson, Viola Davis e Celia Weston.
Longe do Paraíso tem como protagonista uma mulher que parece muito tranquila com a vida que leva, mas que é exposta a uma série de questões que a fazem questionar tudo que pensava. Junto com a protagonista, a plateia também reflete e aprende, através de empatia e de exemplos claros, que é importante olhar para fora da sua própria bolha e entender o que se passa ao seu redor.