Virgínia – O processo criativo em cheque

Com apenas 7 milhões no orçamento e usando sua fazenda para parte das filmagens, Francis Ford Coppola louva a juventude enquanto celebração do instante em Virgínia, enquanto minimiza a preocupação dos velhos com o tempo em um filme operado de maneira barroca, propositalmente parecendo antiquado, evocando “Viagem à Lua” (1902) e “Um Cão Andaluz” (1929), o que pode gerar estranhamento na maior parte do público (a computação gráfica parece ter sido feita por um amador e é visivelmente tosca), mas é eficiente no que pretende dizer.

Um escritor com a carreira em declínio chega numa cidade pequena para cumprir a turnê de seu livro e se vê envolvido no mistério do assassinato de uma jovem garota. A cidade possui um hotel abandonado, onde ocorreu uma chacina no passado e onde Edgar Allan Poe já se hospedou certa vez. O lugar também tem uma igreja, onde há 7 relógios sobre a torre.

Naquela noite, uma fantasma misteriosa aparece em seus sonhos e lhe oferece uma história, que era tudo que o escritor precisava. Então nela há segredos dos assassinatos e também uma resposta que tem mais a ver com sua própria vida do que poderia ter imaginado.

Virgínia

Nessa experimentação toda, Coppola narra duas tramas, onde uma é mais debochada, envolvendo os dramas do escritor. Profissionais das letras e literatura vão identificar vários momentos e elementos por aqui. Assim como a demora e dificuldade em criar o primeiro parágrafo do novo livro; as negociações com o editor; os boletos para pagar e até aprofundando mais, com técnicas de escrita, objetivos dos personagens, tema do enredo e o “final à prova de balas” (adorei o termo!). Com direito à participação de Edgar Allan Poe dando dicas incríveis e tudo.

A outra história é sobre a garota morta, a fantasma do sonho e os jovens “vampiros” do outro lado do lago, onde o diretor cria diversas alegorias sobre a passagem do tempo, algumas bastante explícitas, como a perda da pureza através da mordida, ou a transformação de moça em mulher quando as presas crescem, tirando os aparelhos dos dentes. Há uma beleza inerente à juventude que está fadada a morrer, mas isso não a torna menos bela.

O elenco

Val Kilmer entende bem o potencial anedótico de seu protagonista, inclusive entregando uma grande cena cômica quando está alcoolizado, à medida que Elle Fanning consegue demonstrar inocência e malícia de igual maneira. Um iniciante Alden Ehrenreich parece extremamente amador na figura séria de Flamingo (que como todos os jovens e crianças do filme, é sério e nunca sorri, ao contrário dos abobados adultos, outra das alegorias propostas), Ben Chaplin consegue trazer toda a melancolia do clássico escritor americano, em um elenco encorpado ainda com as participações de David Paymer e Bruce Dern.

Assim, quase uma década antes de Martin Scorsese lidar com um “filme de morte” em “O Irlandês”, outro mestre realiza um tratado sobre o tema, sem se preocupar em dar resoluções para tudo o que foi proposto ou sequer estabelecer uma regra que fundamente aquele universo onírico, se focando muito mais em explanar a passagem do tempo como sinônimo de morte. Virgínia é, dessa forma, uma poesia gótica para os dias de hoje.