O Alienista – primeira e segunda temporada
Ambientação impressionante marca série que acompanha a evolução de um período com muito sangue
Exibida originalmente pela TNT e baseada nos dois enormes livros de Caleb Carr, a obra tem como seu ponto forte a fantástica reprodução de uma época, no final do século 19, em uma sombria Nova York, quase a mesma que Scorsese apresentou em seu ”Gangues de Nova York”, mas umas décadas a frente.
A familiaridade com o cenário e o alto valor de produção para um seriado chamam bastante a atenção. Mas é o fator investigativo, ao associar no primeiro ano um serial killer de jovens prostitutos (e que de maneira indireta remete ao mais famoso deles, Jack, o Estripador), e no segundo uma sequestradora de bebês, que acaba sendo a grande cereja no bolo.
A produção é ainda marcada por outros nomes de bastidores, como o roteirista Eric Roth (que escreveu ”Forrest Gump – O Contador de Histórias” e ”O Curioso Caso de Benjamin Button”), Amy Berg (responsável pelos atributos feministas do enredo, principalmente no segundo ano) e Cary Fukunaga (do excelente ano 1 de ”True Detective”, ”Beasts of Nation”, ”Maniac” e do recente ”007 – Sem Tempo para Morrer”), produtor e roteirista que saiu antes da estreia da primeira temporada por conflitos de locação, mas que inegavelmente deixou sua marca, principalmente na concepção atmosférica que flerta com o suspense psicológico e do assassino.
O Alienista
A história gira em torno de um trio de especialistas: um psicólogo criminal (o alienista), um ilustrador de jornal (e posteriormente, jornalista) e uma secretária do comissário da polícia (que depois se torna investigadora). Os três desenvolvem juntos as primeiras técnicas de psicologia e investigação, durante a Era de Ouro de Nova York em 1896.
O primeiro ano se sustenta melhor pelo entretenimento pipoca que oferece, mesmo diante de tanta brutalidade (que pode aproximar a série de filmes como ”Seven”), ao saber equilibrar dramas pessoais com investigação durante 10 episódios que jamais cansam, e mesmo que seguindo uma cartilha do gênero, se prova eficiente e satisfatória do começo ao fim.
É claro que alguns furos são bastante evidentes (um personagem assassina o outro e fica por isso mesmo, sem sequer um inquérito) e outras figuras são descartáveis e forçadas (como a crush de um coadjuvante, que jamais tem função narrativa) e isso se complica no ano seguinte, com muitos desses personagens simplesmente desaparecendo sem qualquer explicação ou ganhando uma justificativa fácil (“minha avó faleceu”).
Até mesmo duas mortes impactantes do núcleo principal são tratadas apenas como ferramenta e não tem valor dramático. Pontos assim que provavelmente são oriundos da obra original, mas que danificam um pouco a superfície da série.
E o que mais?
De qualquer maneira, O Alienista vai muito além da cenografia e figurino, investindo pesado no coração da trama, que é seu trio protagonista. Ainda que vários personagens ganhem um certo nível de camada (como Theodore Roosevelt, que ocupou o cargo de comissário de polícia de 1895 a 1897 e que aqui tem sua figura histórica incorporada à ficção), são os personagens de Daniel Brühl, Luke Evans e Dakota Fanning que brilham verdadeiramente no escuro.
O alienista de Brühl não se esconde dos clichês ao fazer o papel do homem super inteligente e rico que quer o bem dos amigos, mas sempre os afasta com crueldades indiretas da profissão, enquanto que o ilustrador de Evans é curiosamente uma figura frágil e emotiva, que quase sempre é salvo pela mocinha do time… que Fanning realiza tão bem, em seu melhor papel da carreira. Uma mulher forte que inicia secretária e segue como investigadora e que desde o princípio flerta em roubar o protagonista da série para si, algo que consegue na segunda temporada.
E apesar do segundo ano ser mais cerebral, complexo e menos óbvio que o primeiro, ele perde um bocado do seu valor de entretenimento para adiantar assuntos que hoje em dia são tão importantes e estão ganhando espaço, ao debater os princípios do feminismo naquele período e da questão da maternidade em várias vertentes.
Duas temporadas
A mocinha assume as rédeas e dessa vez enfrenta um inimigo do mesmo sexo, o que abre dezenas de camadas interessantíssimas, que diferenciam esse material de seus semelhantes. Enquanto o primeiro ano era um grande e cativante blockbuster, o segundo arrebata por dar espaço a premissas que geralmente são deixadas de lado, ainda mais quando se escolhe essa época para criar uma narrativa e consegue sucesso, mesmo que no caminho abra mão de personagens que eram tão interessantes antes, sem qualquer justificativa mínima.
E ainda que seja incrível ver Dakota na dianteira, é estranho notar que Daniel fique tão de escanteio, a ponto de ser praticamente dispensável da série que leva seu próprio nome (mas podemos sim considerar que ela também é um tipo de alienista).
O autor Carr, no entanto, também prova que mesmo seguindo tropos do gênero, é capaz de sustentar duas histórias fortes com temáticas tão diferentes, sem se repetir e isso também funciona na telinha, com uma produção policial que nos leva em uma instigante viagem ao passado e aos terrores de uma nação, durante sua transformação na virada do século.