Mau Caminho, de Simon Hanselmann, Editora Veneta
Lisérgico e nonsense, HQ é um tratado sobre depressão
A publicação caprichada da Veneta introduz o leitor desavisado com algumas tiras iniciais desse universo nas primeiras páginas, evidenciando que a história é muito maior do que imaginamos, para só então depois começar com a trama de Mau Caminho, colocando a longa rotina de três colegas de república em busca de sexo, drogas e, muito contra a gosto, um emprego.
Representados como monstros de um lado e animais de outro (a exemplo: a moça bruxa tem como namorado um gato… com tamanho de um felino real, enquanto mantém um lobisomem no quarto ao lado, mas já moraram com uma coruja de altura humana anteriormente), os personagens a princípio são contextualizados – em situações aleatórias – para quem pegou o bonde andando, ou seja, qualquer leitor brasileiro que jamais teve contato com o material do autor australiano.
Simon tem entre suas peculiaridades artísticas o grid fixo de 12 quadros por página e a técnica de pintura (com corante, aquarela e alguns tipos de caneta), aproximando os desenhos de algo infantil, ainda que definitivamente não seja (tal graphic novel, aliás, pode chocar os puritanos menores de 30 anos, ainda mais num país que tem crescido seu lado conservador).
Mau Caminho
Afinal, o que subentende-se, é que tal qual foi mostrado no excelente ”Minha Coisa Favorita é Monstro” (da Emil Ferris, de 2019), as pessoas aqui “se veem/ veem os colegas como monstros ou animais” de acordo com sua condição social/ deplorável diante da sociedade – que aqui é representada como humanos “comuns”.
Uma parte da história se cabe a mostrar como o trio tenta sobreviver no meio de tanta sujeira e desorganização, algo que a ambientação de Hanselmann consegue tão bem emular, à medida que tira risadas pontuais com situações completamente absurdas – como uma logo de cara, envolvendo a ideia do Lobisomem Jones de colocar suas bolas e pênis no lugar dos controles e botões de um fliperama; ou de quando os três saem numa road trip pela cidade arruinada em busca de drogas baratas apenas para salvarem a tarde da sobriedade.
Personagens porraloucos
À medida que a trama avança, o autor busca explorar mais de suas figuras, colocando o gato Mogg procurando por algo que nunca teve nem quis: emprego; ou de apresentar Meleca, uma figura certeiramente representada como camaleônica, por ser trans; do tal lobisomem, que em dado momento assume a forma humana quando decide deixar as drogas de lado por um tempo; e principalmente de Megg, a bruxinha mais humanizada da HQ, que tenta sobreviver pagando aluguel com ajuda do governo, faz terapia e tem de lidar com o passado lisérgico que passou ao lado da mãe traficante… tudo isso enquanto lida com a depressão.
Apesar da pegada porralouca e completamente sem noção em várias passagens (que não escapam de muitos clichês de outras obras undergrounds), Hanselmann busca um motivo para desabafar sobre a vida de margem que muitos viciados tem por aí, tornando Mau Caminho uma distorção das fábulas em prol de uma reflexão descontraída sobre a perda da humanidade por tão, tão pouco.