O Charlatão – um drama da República Tcheca
Indicado ao prêmio de melhor filme no Festival de Berlim de 2020, vencedor como melhor filme no mais prestigioso festival de cinema checo em 2021, O Charlatão conta a história (ficcionando provavelmente na maior parte do tempo) de Jan Mikolásek, um herbalista (curandeiro) que fez fama na República Checa durante meados do século XX pela habilidade presumida de identificar doenças em seus pacientes valendo-se de amostras de urina contra o sol.
Uma personalidade, de fato, interessante, e uma escolha habilidosa na hora de elencar um personagem para montar-se uma cinebiografia.
O Charlatão
É, antes de mais nada e nas palavras da diretora Agnieszka Holland, um filme sobre afetos. Nele, porém não necessariamente na vida real vivida por Mikolásek, o curandeiro vive uma relação intensa com seu assistente, Frantisek Palko (Juraj Loj), envolvimento que ocupa parte importante da narrativa.
Não apenas o seu dom, mas também sua relação amorosa, são acamados sobre o ambiente opressivo de seu país durante os anos em que viveram os personagens: a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, o nazismo e o regime comunista. O filme se inicia, aliás, com a morte do presidente checo, um dos milhares dos pacientes de Mikolásek, e estopim para os eventos de natureza política que veremos dali pra frente.
Alguns aspectos
Críticas foram feitas à narrativa comandada pela talentosa Holland (Filhos da Guerra, Na Escuridão, ambos indicados ao Oscar) de que não foi bem feita a amarração entre o amor de Mikolásek e as pressões do sistema sobre ele. Se levarmos em conta uma possível intenção de não cair no sentimentalismo barato, o longa é bem realizado, com boa direção de arte, interpretações eficientes dos dois principais atores (Trojan, considerado um dos grandes nomes do cinema checo da atualidade, e Loj) e boa fotografia no geral, fazendo sentido a indicação como representante checo ao Oscar 2021.
O que, sim, pode-se pontuar é a pouca luz que o roteiro joga sobre os motivos da opressão sobre o personagem principal: não considerando a homo afetividade como um dos elementos geradores dessa opressão, a narrativa demora a nos convencer dos motivos dela, preferindo, nos momentos em que poderia fazê-lo, se deter em flashbacks que vão montando o quebra-cabeças que desnuda a personalidade enigmática do herbalista.
De fato, num momento histórico em que a homossexualidade era crime, não considerar isso como um dado importante para os ataques a Mikolásek é pouco crível.
Quem foi Mikolásek
Não há, em qualquer momento, intenção em definir Mikolásek como charlatão de fato, ou não, apesar de sermos inclinados, pelo que vemos, a acreditar nas suas habilidades. Nesse sentido, o próprio título do filme poderá ser entendido como irônico. Por outro lado, há um olhar fortemente crítico ao regime comunista (mais até do que aos nazistas), em parte porque a principal etapa da vida narrada aqui ter sido vivida sob a sombra soviética, mas também porque o olhar de Holland é naturalmente ácido à política totalitária vigente então.
Independentemente dos acertos e erros nas amarrações narrativas apontadas, é um filme que posso recomendar, sobretudo pela apresentação de um indivíduo desconhecido ao mundo, marcando um momento histórico sufocante da região em que o filme se passa. E sua possível maior fonte de críticas pode ser também seu maior mérito: por não se demorar emocionalmente em nenhum dos eventos majoritários do filme, deixa aberto ao(à) espectador(a) acreditar ou não em Mikolásek e julgá-lo, ou não, por seus atos.