Os Primeiros Soldados
Filme explora os princípios da AIDS no Brasil
O ano de 1983 está quase no fim e Suzano (Johnny Massaro) retorna ao Brasil depois de uma temporada na Europa para rever sua irmã (Clara Choveaux) e seu sobrinho (Alex Bonini) e logo percebe que tem algo acontecendo com seu corpo, embora não saiba dizer o que é.
Isso o aproxima de Rose (Renata Carvalho), uma artista transexual, e de Humberto (Vitor Camilo), um cinegrafista, que também perceberam alguns sintomas estranhos nos seus corpos. Juntos eles vão tentar descobrir o que está acontecendo, sem saber que eles lutam com a primeira onda da epidemia de AIDS.
Três personagens
Os Primeiros Soldados nos apresenta logo de cara três personagens: Suzano, um jovem biólogo que vive em Paris com o marido, mas que volta à sua cidade natal para passar um tempo com sua irmã e sobrinho; Rose, uma artista transexual que luta diariamente contra preconceitos; e Humberto, que trabalha como cinegrafista e que saiu de sua cidade natal depois de sua mãe descobrir que ele era gay.
As histórias aparentemente se relacionam um pouco, mas não de maneira relevante, já que os três vivem na mesma cidade, fazem parte da população LGBTQIA+ e se conhecem. Sabemos, por exemplo, que Suzano é amigo de Rose, embora os dois não se encontrem há tempos, e que Humberto está encarregado de filmar o show de ano novo dela, mas por boa parte do filme as tramas parecem seguir destinos completamente diversos.
No entanto, os três começaram a notar coisas estranhas nos seus corpos e perceberam alguns sintomas de uma doença que ainda é misteriosa. Suzano, que é biólogo, parece especialmente interessado e começa a prestar cada vez mais atenção, mesmo que nenhum deles sequer imagine o que vem pela frente.
A pandemia de AIDS
Os Primeiros Soldados também tem como pano de fundo um período terrível, e que cinema brasileiro normalmente não explora. O filme começa na virada do ano de 1983 para 1984, quando a AIDS ainda não era conhecida e ninguém sabia quase nada sobre a doença.
No filme, Suzano percebe logo que está apresentando alguns sintomas, mas não sabe diagnosticar o que é, embora consiga reconhecer a doença em outras pessoas como Rose e Humberto. A trama então se desenvolve a partir dessa ideia, não só mostrando esse personagem que consegue perceber antes das outras pessoas que tem algo errado com seu organismo, como também o preconceito que existia ao redor do tema, o medo das outras pessoas que não sabiam o que era e nem como a doença era transmitida e as tentativas desse grupo de entender o que se passa e, quem sabe, se curar.
Embora fale de uma época específica e de uma questão que hoje é de conhecimento geral e da qual a humanidade já sabe, em teoria, se proteger, é impossível não relacionar o tema do filme com a pandemia de Covid-19, já que o filme mergulha nos primórdios da AIDS, quando tudo ainda era especulação e nem os médicos queriam chegar muito perto de quem estava infectado com medo de se contaminar.
Aspectos técnicos de Os Primeiros Soldados
Os Primeiros Soldados aparenta ser um filme pequeno, com uma produção modesta, mas que tem um roteiro potente e relativamente inovador. Existem poucos filmes nacionais que falam sobre a pandemia de AIDS e muito menos que falam sobre os primórdios dela. Aqui os personagens, inclusive os médicos que aparecem, não sabem nada sobre o assunto além do que eles estão vendo acontecer nos próprios corpos.
E é justamente isso que torna o filme interessante, já que o telespectador consegue acompanhar o medo e o desespero, mas também em alguns momentos, a conformidade dessas pessoas infectadas que não sabem o que fazer e nem têm esperança de um dia descobrir. Suzano, Rose e Humberto passam por tudo, desde questionamentos de como pegaram essa doença, até que remédios eles poderiam usar, mas é tudo na base do chute. O filme é de 2021, e certamente vai ressoar em uma plateia que talvez não conviva com a AIDS, mas que se viu em uma situação muito parecida com a covid-19. Os Primeiros Soldados usa de personagens fictícios, mas conta histórias reais.
Embora o roteiro seja bem feito, a parte técnica não é um primor, os figurinos, por exemplo, não nos remetem aos anos 80 automaticamente, como seria o ideal. Sabemos que o filme se passa no final de 1983 porque isso é informado durante a festa de ano novo, mas as roupas dos personagens, em muitos momentos, parecem atuais. Talvez a ideia tenha sido aproximar os dias de hoje à época retratada, mas também soa como falta de pesquisa ou de orçamento.
Mas o filme ganha muito com as suas atuações potentes que passam para o telespectador tudo que aqueles personagens sentem, inclusive os que não estão infectados, mas que são influenciados pelas ações de Suzano, Rose e Humberto. O grande destaque, no entanto, é Johnny Massaro, que interpreta um personagem divertido, de quem o público gosta automaticamente.
Os Primeiros Soldados não só trata de um tema que deve ser debatido, como também apresenta uma perspectiva inovadora e diferente sobre o assunto. A premiere brasileira do filme será no Festival do Rio, de 9 a 19 de dezembro, com sessões presenciais.