A História Sem Fim, de Michael Ende
Nenhum livro supera A História Sem Fim no uso preciso da metalinguagem e do jogo da história dentro da história, colocando o leitor (fictício e real) como protagonista em um mundo fantástico, literalmente. Com uma trama fascinante, povoada por personagens gentis (e incrivelmente excêntricos), com uma inventividade sem igual (que tal qual Tolkien, veio a inspirar diversas outras do gênero depois), o autor alemão não só cria uma narrativa deliciosa de se ler, como também valoriza o poder das histórias para a humanidade. E do quanto os livros necessitam dos leitores para continuarem vivos.
Eu, assim como a maioria das pessoas, conheceu a obra através do filme de mesmo nome, dirigido por Wolfgang Petersen em 1984 e que marcou toda uma geração (ganhando duas sequências). O primeiro longa é o que mais se aproxima do enredo original, ainda que o segundo também esboce certas semelhanças. Dá para se dizer que a primeira metade (com a jornada de Atreyu ao lado de seu Dragão da Sorte) é a mais interessante, pois a ameaça do Nada intensifica cada momento. Isso não significa que a outra metade, colocando Bastian Baltazar Bux com o salvador de Fantasia não seja tão cativante quanto, pois sua trajetória de aprendizado tem muito a dizer (com metáforas poderosas) – mas o ritmo varia mais.
Ende sabe como narrar um verdadeiro livro infanto-juvenil, consciente de que cada consequência de uma ação terá um “final feliz”, porque aqui vale mais a experiência de imersão e valorização da leitura – e da literatura – fantástica, do que a história em si. O que, mais uma vez, não quer dizer que a história fique escanteada, mas ela tem uma função maior, por isso muitos trechos impactam tanto, por isso algumas passagens emocionam de tal maneira. Mais do que Bastian, sou eu, você, nós, leitores, que estamos com o mesmo livro que o garoto entre as páginas, vendo a bem sacada edição (tanto nacional quanto original, pois essa foi uma ideia vinda da editoria alemã), com as letras verdes para Fantasia e vermelha para o “mundo real”.
A História Sem Fim, enfim, assim como Aurin, do ouroboros da capa, com as cobras mordendo o rabo uma da outra e mantendo o ciclo sem fim (mesmo grafismo que uso em meu Necrópolis), ressalta que o leitor pode ter terminado essa história, mas ela não morre aqui com a última página, com o fechar do livro. Outro leitor virá para continuar e assim manter esse mundo vivo. Para sempre.