Pinóquio de Del Toro

Um tratado sobre a finitude, em um espetáculo técnico

Guillermo Del Toro levou mais ou menos 15 anos para fazer esse projeto apaixonado acontecer. Adaptando mais uma vez o personagem clássico de Carlo Collodi, dentre as grandes ideias do realizador mexicano, temos duas que se destacam: a de fazer em stop-motion (algo que faz completo sentido se pensarmos que o protagonista é feito de madeira, uma coisa casa muito bem com a outra); e a de situar a história na Itália fascista durante a Segunda Guerra, o que permite ao diretor debochar não só do patético e diminuto Mussolini, como também do fascismo.

Tecnicamente impecável, este Pinóquio provavelmente é o stop-motion mais surpreendente que vimos desde Coraline, ParaNorman e Kubo. Del Toro exigiu que os cenários ficassem sujos, para imprimir maior realidade à ambientação, e os figurantes cometem erros “humanos”, como tentar pegar algo do chão e não conseguir na primeira tentativa, etc. A animação é belíssima e todo o tratamento é de encher os olhos. Pinóquio tem seu carisma espertalhão, Gepeto ganha co-protagonismo envolvente, e as criaturas, como a Fada/Vida e sua irmã Morte, conferem o DNA do cineasta nessa produção, trazendo a mensagem do luto, da superação e do inevitável com força, principalmente no desfecho emocionante. O Grilo continua inútil (como em toda a versão), mas ainda é engraçado.

O elenco está super comprado com o enredo. Do novato Gregory Mann à improvável Cate Blanchett, temos ainda a simpatia de Ewan McGregor, a malícia de Christoph Waltz (que ganha um vilão que incorpora outros três), o encantador David Bradley, um sério Ron Perlman e até a estranheza típica de Tilda Swinton.

Pinóquio de Del Toro
Pinóquio de Del Toro

Pinóquio de Del Toro

Apesar das passagens divertidas ou eletrizantes que o enredo original já promovia (onde aqui e ali Del Toro adapta, como trocar o raptor de crianças que as transforma em burrinhos por um podestà que recruta moleques para morrer na guerra), e dos discursos que são levantados sobre religião (como a comparação do Cristo de madeira pelo menino de madeira em sua busca por aceitação, que ele demora a compreender), tentação e jornada de crescimento (oriundo do material original), e luto (através do filho perdido de Gepeto, que ganha o mesmo nome do escritor clássico), o filme carece bastante de ritmo, algo que geralmente atormenta produções em stop-motion, que precisam fazer valer todo seu longo e riquíssimo trabalho, mas que perde ao mostrar demais momentos que já estavam subentendidos, ou que se arrastam em longas e desnecessárias sequências.

A parte musical é pequena, mas não encanta. A trilha de Alexandre Desplat é repleta de boas intenções, com o uso de instrumentos de madeira, mas fora uma passagem ou outra, não se torna memorável como a pretensão da trama promete. A resolução do clímax, na base do xaveco do Grilo, me pareceu perdida e mal-feita, quase destoante do resto do roteiro, que mesmo tropeçando no ritmo, ainda é feito com paixão e qualidade, mas como o desfecho emociona em sua sinceridade intrínseca e inevitável, dá para compensar no final (tente conferir o documentário de meia hora após o filme, que é tão ou melhor do que o próprio, pois mostra a construção elaborada desse projeto de amor).

A Disney, com sua versão clássica dos anos 1940, mesmo que moralista, ainda guarda maiores tributos ao investir na simplicidade de um boneco que está aprendendo a ser gente enquanto se aventura por um mundo com elementos mágicos. Del Toro confere originalidade ao trazer seus símbolos próprios numa tentativa de conversar com temas mais graves, e essa tentativa é válida, já que gerou uma das melhores versões do personagem de todos os tempos. A bem da verdade, para que meu nariz jamais cresça além da conta, não A melhor versão, mas quase lá.

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