Precisamos Falar Sobre o Kevin, de Lionel Shriver

Lionel Shriver realiza uma espécie de genealogia do assassínio ao criar na ficção uma chacina similar a tantas provocadas por jovens em escolas americanas. Aos 15 anos, o personagem Kevin mata 11 pessoas, entre colegas no colégio e familiares. Enquanto ele cumpre pena, a mãe Eva amarga a monstruosidade do filho. Entre culpa e solidão, ela apenas sobrevive. A vida normal se esvai no escândalo, no pagamento dos advogados, nos olhares sociais tortos.

Transposto o primeiro estágio da perplexidade, um ano e oito meses depois, ela dá início a uma correspondência com o marido, único interlocutor capaz de entender a tragédia, apesar de ausente. Cada carta é uma ode e uma desconstrução do amor. Não sobra uma só emoção inaudita no relato da mulher de ascendência armênia, até então uma bem-sucedida autora de guias de viagem.

Cada interstício do histórico familiar é flagrado: o casal se apaixona; ele quer filhos, ela não. Kevin é um menino entediado e cruel empenhado em aterrorizar babás e vizinhos. Eva tenta cumprir mecanicamente os ritos maternos, até que nasce uma filha realmente querida. A essa altura, as relações familiares já estão viciadas. Contudo, é à mãe que resta a tarefa de visitar o “sociopata inatingível” que ela gerou, numa casa de correção para menores. Orgulhoso da fama de bandido notório, ele não a recebe bem de início, mas ela insiste nos encontros quinzenais.

Fonte: https://www.amazon.com.br/Precisamos-Falar-Sobre-Lionel-Shriver/dp/8598078263

Precisamos Falar Sobre o Kevin é um livro que apresenta exatamente o que o título promete. Nós lemos o livro através de cartas escritas por Eva, uma mulher cujo o filho (Kevin) matou onze colegas em um massacre na escola, para seu marido Franklin, que embora seja o pai de Kevin, parece estar longe e ausente de tudo.

Resta a Eva, por sua vez, visitar Kevin na instituição aonde ele está internado e lidar com o ódio da vizinhança.

Através das cartas de Eva acompanhamos toda a vida da mulher e consequentemente a vida de Kevin e da família. Conhecemos Eva na juventude, a vemos conhecer e se apaixonar por Franklin, o casamento dos dois, posteriormente, ele quer ter filhos e ela não, mas mesmo assim, ela engravida de Kevin, e mais tarde de uma menina, Célia. Ela também nos conta (e a Franklin automaticamente) como aconteceu o massacre e as consequências disso.

Ezra Miller e Tilda Swinton em cena do filme

Muitas coisas chamam atenção em Precisamos Falar Sobre o Kevin, a primeira é justamente a forma como o livro é escrito. É muito diferente ler um livro que é escrito basicamente em cartas, principalmente porque nós só ficamos conhecendo o ponto de vista de Eva. Kevin, que dá nome ao livro não nos dá o seu ponto de vista. Se o livro fosse escrito em terceira pessoa, talvez ele não fosse tão interessante e nem tão impactante, já que lendo as cartas de Eva é como se estivéssemos dentro da família dela.

Isso também faz com que o leitor possa questionar o narrador, já que Eva é uma personagem do livro e tem suas próprias interpretações do que aconteceu. Se o narrador fosse onisciente, a história seria narrada de uma maneira mais confiável. Essa sensação se acentua mais quando Eva fala abertamente que nunca desejou engravidar, mas que ela esperava que ela mudasse de ideia depois que o filho nascesse, mas isso não aconteceu. Muito pelo contrário, embora ela tente amar Kevin, ela nunca se sente capaz disso, ela só se sente feliz e uma mãe de verdade quando Célia, a filha mais nova, nasce. Portanto quem pode garantir ao leitor que ela fala a verdade ou que ela culpa o filho por tudo de errado que deu em sua vida?

Precisamos Falar Sobre o Kevin também narra com perfeição a formação de um psicopata. Segundo as cartas de sua mãe, Kevin é cruel, frio e sarcástico, inclusive com ela e com a irmã mais nova, que o adora, e o menino também parece manter os mais diversos hábitos bizarros. Mais do que ler sobre a infância e adolescência de um possível assassino, é interessante ler isso do ponto de vista de sua mãe, que mesmo admitindo não gostar de Kevin, tem todos os motivos para negar e fingir que não está vendo o que está bem em frente aos seus olhos.

Ezra Miller está perfeito como Kevin

O livro também toca em uma ferida aberta nos Estados Unidos, os massacres em escolas. É ótimo ler um livro que fala sobre um tema tão polêmico e ao mesmo tempo tão moderno, sobre o qual as pessoas parecem não falar com tanta frequência.

Não é uma surpresa para o leitor que Kevin foi o responsável pelo massacre em sua escola, então, a autora usa esse espaço para discorrer sobre o assunto, sobre os possíveis motivos e sobre, de uma maneira geral, a cultura americana.

Embora o crime sobre o qual livro fala não seja uma surpresa, o livro é sim, surpreendente, não só pelo tema que trata, mas também pelo final, que é capaz de deixar qualquer um chocado.

Os pais de Kevin

Precisamos Falar Sobre o Kevin não é o único livro a tratar desse tema, mas é certamente o mais interessante e o mais diferente.

O livro virou filme em 2012, com Tilda Swinton (como Eva), John C. Reilly (como Franklin) e Ezra Miller (como Kevin), que está perfeito no papel. O filme é bem fiel ao livro e consegue lidar bem com a ideia do livro ser inteiramente narrado em cartas.

Precisamos Falar Sobre o Kevin é um livro que aborda um tema moderno, mas que tem tudo para se tornar um clássico.

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