Mary Shelley, a vida que criou Frankenstein

Elle Fanning brilha sozinha nessa produção novelesca e curiosa sobre a verdadeira criadora de Frankenstein, Mary Shelley.

Dirigido e roteirizado por mulheres, Haifaa al-Mansour e Emma Jensen, respectivamente. A produção acerta na sensibilidade necessária para retratar tanto os infortúnios de Mary, quanto a feminilidade à frente de seu tempo. Tudo de maneira natural e que assim serve ao longa do começo ao fim. Retratando a juventude de uma das maiores escritoras de todos os tempos. Seu idealismo, a vida romantizada que assume e então o véu da realidade nua e crua caindo logo em seguida. O que traz o inevitável dissabor à medida que sua vida avança.

Mary Shelley

De longe uma das mais formidáveis atrizes de sua geração, Elle Fanning carrega o filme nas costas. Captando a raiva e a doçura de Mary nos momentos certos; trazendo uma força impressionante no olhar. Com uma direção e roteiro acertivos no que tangem a compreensão das figuras em tela. O filme não subestima a inteligência do público. Deixa muito por dizer apenas na interpretação e nos gestos, com sutilezas apropriadas, nessa biografia que se fazia tão necessária para os dias de hoje.

Assim, os pontos baixos da produção residem nas atuações de Douglas Booth e Tom Sturridge. Ainda que retratem o charme e a imprudência de Percy Shelley e Lord Byron, ainda são caricatos excessivamente. O que destoa de outras figuras mais humanizadas, como Stephen Dillane, o pai da escritora, sensato e carregado de emoção contida. E Ben Hardy (John Polidori, uma promessa pouco utilizada). Todo o elenco segue bem fiel aos personagens reais. Algumas elipses também tropeçam na transição, o que pode confundir algum espectador mais desatento.

Mas no geral, a cenografia, o figurino e a compreensão da época retratada compensam os pequenos deslizes. O conflito de Mary (que idealiza um amor romântico como nos romances de costumes) com Percy (adepto do poliamor) gera situações interessantes. E a diretora ainda fornece boas cenas eróticas entre eles, que colaboram para o escopo do enredo, que não isenta seus jovens personagens de agirem estupidamente muitas vezes. 

Frankenstein de Mary Shelley

A história tem uma virada esperada por todos no final da segunda metade, quando então ocorrem as noitadas chuvosas na mansão de Byron e é proposto que escrevam um conto de terror para passar o tempo. Em vez de focar na produção dos textos, a escolha das autoras é curiosa ao focar no conflito que quebra os quatro personagens e os transforma para sempre. Trazendo inclusive uma tragédia inevitável para o futuro de Polidori e seu O Vampiro (que seria uma das inspirações para Bram Stoker anos depois).

Sem qualquer spoiler, é sabido os caminhos a partir daqui. Quando tentou, aos 18 anos, publicar Frankenstein, Mary Godwin ouviu as mais variadas recusas de editores. Se não duvidavam da sua autoria, consideravam o tema inapropriado para uma jovem do século XIX. Quando finalmente aceitaram publicar o livro, foi sob a condição de que a autora permanecesse anônima! E que o poeta Percy Shelley, seu companheiro, escrevesse uma introdução. O que levou muitos a acreditarem então que ele era o autor.

Apenas na segunda edição, seu nome, já como Mary Shelley, foi revelado para o mundo. E isso é retratado aqui, com todo o peso melancólico que sua protagonista carrega. O que fornece ainda um tom de redenção para aliviar no final, que assim se mantém fiel à verdade.

A inspiração

É interessante descobrir em quase duas horas de filme, que mais do uma figura lutuosa pela perda da mãe (uma sombra em sua jornada) e da primeira filha (ainda no berço), que mais do que mansões góticas e tomada por relâmpagos sinistros, mais do que conversas sobre as recentes práticas de gauvanismo, o que levou Mary Shelley a se inspirar e depois criar Frankenstein ou O Prometeu Moderno, foi sua própria experiência enquanto mulher jovem casada, repleta de lascividade, traição, morte e falência, colocando Percy como um tipo de Dr. Victor, e a própria escritora como uma alegoria para o monstro. A triste figura, que consolidou o terror, a fantasia e a ficção científica para sempre enfim.