A Múmia: a trilogia (1999, 2001 e 2008)
Que tal ler um pouco sobre os três filmes de A Múmia, tudo de uma vez? Pois aproveite que eles estão disponíveis no catálogo da Netflix!
A Múmia (1999)
Com humor e terror na medida certa, o filme é um clássico moderno que só melhora a cada nova sessão! Assombrado quando criança pelo original de mesmo nome de 1932, Stephen Sommers concebe aqui o verdadeiro herdeiro de Indiana Jones. Do espírito aventureiro de época à estética pastel; do protagonista forte, sacana e galhofa a uma jornada que envolve fatos históricos e sobrenaturais. Uma maneira bastante autêntica e autoral de homenagear todos os longas de horror que marcaram sua geração.
Sendo a sexta maior franquia de 1999 (os cinco primeiros foram Star Wars: A Ameaça Fantasma, O Sexto Sentido, Toy Story 2, Matrix e Tarzan), o fantástico A Múmia tem personagens cativantes (escolha o seu, todos eles são incríveis!). Temos um vilão marcante (Imhotep não é só uma múmia com ataduras, a criatura exerce poderes sobre a areia e outros seres, a maneira do Drácula de Coppola, mas com um charme todo próprio); efeitos especiais eficientes (o CG ainda era evidente para época, mas o monstro e outros detalhes noturnos funcionam muito bem); além de inúmeras quests certeiramente divididas nos três atos inflados de cenas memoráveis, divertidas e pulp. Tudo de forma honesta e autêntica.
Stephen Sommers
Estranhamente menosprezado no meio, Sommers guarda uma genialidade em seu escapismo (como vimos depois no apedrejado Van Helsing, que eu amo assumidamente), que remete imediatamente à trilogia de Indiana Jones (e pra mim, essas obras praticamente empatam em qualidade no gênero) e principalmente aos clássicos de monstros da Universal (tanto a trilogia da Múmia quanto Van Helsing nos brindam com diversas homenagens à cenas, atmosfera e estrutura).
Não se envergonham jamais de fornecer uma genuína narrativa de aventura, onde sua única preocupação é divertir o público. O maior mérito de qualquer história. Afinal, reflexões e aprofundamentos podem ser deixados para produções de Oscar; a ficção não é feita só para racionalizar, mas principalmente para nos tirar do mundo-comum e nos deixar em paz durante o recreio.
O elenco
O elenco maravilhoso também compreende isso. Primeiramente Brendan Fraser, que cria um icônico protagonista na figura de Rick O’Connell. Este rivaliza em autenticidade e comicidade pau a pau com Indiana Jones e Jack Sparrow e esteja dito! A mocinha aparentemente ingênua da belíssima Rachel Weisz, que demonstra ser muito mais do que uma mera fachada de fetiche; o engraçado sem ser chato irmão pilantra de John Hannah; a grande presença de Arnold Vosloo, que assoma sobre a tela; o sensato e lacônico guerreiro de Oded Fehr (que aqui recebe o nome de Ardeth Bay, quase o mesmo que Ardath Bey de 1932, onde o personagem era o próprio monstro, numa referência inteligente), entre outros. Todos compõem tão bem em suas funções, como as figuras nas histórias de Tintim (outra fonte evidenciada no longa). E nunca se esqueça de quão memorável é a trilha sonora concebida por Jerry Goldsmith, por favor.
O Escolhido
E pensar que a Universal havia considerado outros grandes e interessantes nomes para a direção, como George A. Romero (A Noite do Mortos-Vivos, 1968), Joe Dante (Gremlins, 1984), Clive Barker (Hellraiser – Renascido do Inferno, 1990) e até Wes Craven (A Hora do Pesadelo, 1984), mas por sorte do destino ou maldição de Ankh-sun-Namun, Sommers foi o Escolhido, trazendo uma visão única, que transformou o cinema de entretenimento para sempre e conseguiu ainda criar uma franquia derivada em outras mídias, sendo não só melhor que o original trintista, como ainda foi capaz de permitir o duvidoso filme de 2017 com mesmo título (e esquecível). Ignore os erros históricos, a verdadeira jornada está aqui!
Com um roteiro redondo, que dosa de maneira espetacular humor e terror com aventura, A Múmia só encontrou equivalente contemporâneo no primeiro Piratas do Caribe e é um clássico moderno obrigatório para qualquer um rever ou descobrir, em uma jornada pelas tumbas do Velho Egito.
O Retorno da Múmia (2001)
A fórmula continua funcionando maravilhosamente bem! Situado agora na Londres de 1935. Vivendo como um casal de arqueólogos que nunca parou de fuçar em tumbas de múmias, Rick e Evelyn O’Connell também tem um filho para cuidar. Não demora para a família se meter em nova confusão, o que levará o perigo até seu lar. O jovem Alex será sequestrado, a fim de ressuscitar o Escorpião Rei, outra antiga entidade que tem o poder de destruir o mundo, com seu impressionantemente assombroso Exército de Anúbis.
Tão divertido quanto o primeiro, O Retorno da Múmia se prova uma sessão incansável de rever. Justamente por manter os elementos que fizeram sucesso antes. Ou seja, a dinâmica do casal, a boa dosagem de ação e humor e as inúmeras sequências de aventura bem divididas nos três atos, com vilões marcantes.
Há também a adesão de novos elementos. Temos o garoto esperto e sagaz – que guarda a ironia do pai, o conhecimento da mãe e a malandragem do tio; o piloto cômico e medroso; e a figura do próprio Escorpião Rei – do estreante The Rock. Ele assoma sobre os demais de uma maneira mais monstruosa e desumana do que o Imhotep de antes. Este que aqui retorna como o típico inimigo que ainda tem que concluir sua missão. Mas agora com o respaldo da reencarnação de Anck Su Namun, que fornece novas oportunidades do antepassado casal retomar seu amor lendário através de novos recursos (como dominar um monstro, por exemplo).
O elenco retorna!
O elenco está mais a vontade do que nunca. Brendan Fraser repete sua atuação divertida de antes, assim como John Hannah, mais cínico e sacana do que nunca. Rachel Weisz sofre certa evolução, com sua personagem deixando a ingenuidade para trás. Ela assume mais ação e mais presença. E te um background que a relaciona melhor com o passado pelo qual é tão apaixonada. Por mais que uma mulher tão europeia assim seja improvável demais naquele cenário.
Mas a franquia não se fez sustentada por fundamentos históricos corretos, então deixamos passar. Até mesmo pelo período em que foi feito. Freddie Boath consegue ser um bom ator mirim no papel de Alex O’Connell, sem cacoetes excessivos de outros de sua geração. Ele cria boa química inclusive com os sempre ótimos Patricia Velásquez e Arnold Vosloo, incluindo aí Adewale Akinnuoye-Agbaje (que esbanja carisma galhofa e rivaliza com o querido Oded Fehr).
E Stephen também!
Stephen Sommers mantém seu espetáculo de matinê. Executa então sequências de ação de encher os olhos! Tanto da floresta amaldiçoada de Karnak, quanto das criaturas que lá habitam. Com cenas que se sobrepõem entre passado e presente, usa o flashback dessa vez como um recurso para dar andamento a narrativa.
Com exceção do próprio Escorpião Rei (que possui um CGi tão pobre quanto os 100 agente Smith do mesmo período), tudo o mais funciona enquanto solução visual. Alinhado a um roteiro redondo, com o melhor do entretenimento escapista. A Múmia retornou, assim como todos os méritos do primeiro filme, em uma continuação não só decente, como também tão divertida quanto.
A Múmia: Tumba do Imperador Dragão (2008)
Um desfecho honroso, mas insosso. Depois de várias idas e vindas de um terceiro (mas não último) filme planejado, este longa perdeu a essência quando foi mutilado pela própria produção na indústria hollywoodiana. Sai o gênio pulp Stephen Sommers, entra Rob Cohen. Um daqueles diretores-operários, que cumprem bem seu protocolo, mas sem muita personalidade. Apesar do currículo vasto, que inclui o primeiro Velozes e Furiosos e Triplo X, o diretor não tem a mesma paixão pelas aventuras de matinê como seu antecessor.
Por isso, a história segue a fórmula dos dois formidáveis filmes de antes, mas sem o mesmo brilho. Não é ruim, não sofre de ritmo, nem desaponta. Atinge as expectativas de quem acompanhava a família O’ Connell há um tempo, porém chega menos galhofa e menos autêntica. É claramente um produto de encomenda de estúdio. E Cohen faz o que pode com o roteiro (que é redondinho e não falha). Entrega uma bela direção de arte, tomadas dinâmicas e interessantes sequências de ação. Assim, faz melhor uso do CGi (tanto nos ietes, quanto no dragão, mas ainda aquém para a época em que foi realizada. Dessa vez coloca um imperador chinês como a múmia. Ainda mistura na receita a lendária Shangri-La, a Muralha da China e o Exército de Terracota, naquelas diluições de fatos históricos em detrimento da fantasia escapista como já estávamos acostumados na franquia.
Filme mais fraco
Jet Li, infelizmente, assume uma persona sisuda típica dos seus últimos papéis naquela época. E não tem nem metade do carisma do monstro anterior. Por outro lado, Brendan Fraser continua à vontade com seu protagonista divertido. Agora dividindo a tela com o filho crescido, incorporado por Luke Ford (que você nunca mais viu em um papel de destaque). Assim como o retorno de John Hannah, e a bem-vinda adesão de Michelle Yeoh (que tem pouco a fazer, mas brilha enquanto pode) e do rostinho bonito de Isabella Leong (que você nunca mais viu também).
Com tantos problemas na pré-produção, Rachel Weisz foi outra a pular fora do barco. Foi substituída por Maria Bello, que consegue manter o papel de uma Evelyn relutante em retornar a arqueologia, mas sem a mesma química com seu maridão.
Sem Sommers
O romance entre Alex e Lin é tirado de lugar nenhum e jogado sobre o espectador, que jamais engole o amor clichê deles. Certamente cheio de momentos piegas e ridículos. Em contraponto, a direção consegue manter ação e humor em certa medida, com um final épico como o esperado.
Mas sem Sommers, a múmia nunca mais foi a mesma. Por isso, o gancho deixado para um quarto filme se passando no América Central, entre a civilização maia, foi enterrado de uma vez por todas. Encerrando assim uma das principais e mais inesquecíveis franquias de todos os tempos. Fechou bem, mas podia ter sido mais.
Trilogia A Múmia
Pelo conjunto da obra...