A Casa das Flores, melodrama mexicano na Netflix
Mas não tão dramático!
A Casa das Flores é uma série que conta a história da família de La Mora, uma família de posses, que administra uma floricultura chamada La Casa de Las Flores e tudo corre aparentemente bem, até o dia do aniversário do patriarca Ernesto (Arturo Ríos), quando a amante dele, Roberta (Claudette Maille) resolve se matar dentro da floricultura. É a partir daí que os segredos da família, que demonstrava ser perfeita, começam a surgir.
Um dos grandes temas de A Casa das Flores são os segredos que a família guarda, e uma vez que se trata de uma série, alguns desses segredos são revelados no primeiro episódio ou bem cedo na trama.
A Casa das Flores – Os segredos
Os segredos começam relativamente leves, como a amante de Ernesto, seguida da descoberta de que ele tem uma filha com Roberta, Micaela (Alexa de Landa), que ele resolve levar para viver na casa da “família oficial”. Então, descobrimos que José Maria (Paco León), marido da filha mais velha (Cecilia Suárez) está prestes a fazer uma transição de gênero; e que Júlian (Dario Yazbek Bernal) tem uma relação antiga com o contador da família, Diego (Juan Pablo Medina), mesmo que mantenha um relacionamento falso com Lucia (Sheryl Rubio).
A série se passa no México e tem como protagonista uma família que vive em um meio antiquado e conservador. Assim, há justificativas para que algumas dessas coisas sejam segredo. O fato de Júlian não ser um homem heterossexual e ter que esconder isso, pode parecer absurdo para uma trama que se passa nos dias de hoje, mas parece justificado quando ficamos conhecendo o pai e a mãe (Verónica Castro) e a maneira com que eles levam a vida, criam os filhos e até escondem essas informações dos vizinhos e amigos.
Os segredos também vão se tornando um pouco mais picantes ao longo da trama e essas questões iniciais começam a parecer pequenas. No entanto, embora existam segredos ruins e potencialmente criminosos, os de La Mora não são responsáveis por esses segredos e geralmente são vítimas deles, o que faz com que o telespectador apoie e simpatize com a família. Nesse aspecto, A Casa das Flores é uma trama de segredos familiares como qualquer outra, mas a série certamente tem um diferencial.
Tragicômico
O grande triunfo de A Casa das Flores é o tom tragicômico com que trata sua trama. A sinopse, que envolve uma amante morta dentro da floricultura da família, casos extraconjugais e escapadas sexuais, pode parecer um drama, mas é exatamente o oposto.
A própria série não se leva a sério e isso é um grande mérito, afinal, se tivesse um tom mais dramático, ela seria repetitiva. A descoberta do corpo de Roberta enforcado na floricultura no dia do aniversário do patriarca acontece por acaso quando os irmãos estão passando ali. Mais tarde, Diego e Júlian vão ao mesmo lugar para um encontro sexual. Parece tudo muito absurdo, mas é muito divertido.
Esse tom está presente na série toda, mesmo que o assunto tratado não seja leve ou agradável. Quando os irmãos descobrem que tem uma meia irmã mais nova, a aceitam e acabam se afeiçoando à menina. Na vida real, esse tipo de situação seria um drama e levaria muito mais do que alguns episódios para ser normalizado.
Absurdos e diversão
Até Virginia, a esposa traída, aceita Micaela e passa a cuidar dela como se fosse sua filha mais nova. Quando na segunda temporada, Júlian resolve se tornar acompanhante para pagar algumas de suas dívidas, isso também é mostrado de maneira engraçada, quando o próprio personagem admite que não vê problema em ser pago para fazer sexo, uma vez que gosta de sexo e é “a única coisa que faz bem”. Em uma série com cores mais dramáticas, prostituição jamais seria tratada dessa maneira.
O tom tragicômico também faz referência direta a um dos maiores produtos audiovisuais do México: as novelas. As novelas mexicanas são tão conhecidas fora de seu país natal, que aqui no Brasil até viraram um sinônimo de “drama”. As tramas de A Casa das Flores em muitos momentos lembram as de novelas mexicanas, uma vez que são cheias de reviravoltas e grandes descobertas, mas a série inverte todo o gênero e até tira sarro disso.
Seus personagens
Os personagens são, por si só, dramáticos, mas com características que os deixam cômicos aos mesmo tempo. Paulina, a filha mais velha é autoritária e se sente no direito de mandar nos irmãos, mas tem a fala mansa e macia e o telespectador sente que pode cochilar enquanto ela fala, de tão lenta que é sua entonação.
Elena (Aislinn Derbez), a segunda filha, vive se envolvendo com homens diferentes, e troca de namorado quase por episódio, mas nada disso acontece de maneira dramática, com términos intensos e sofrimentos terríveis.
Já Júlian, se diz completamente apaixonado por Diego, mas ainda mantém relações com Lucia e com qualquer outra pessoa que lhe der uma segunda olhada. Mais uma vez, por mais que Diego fique chateado com o comportamento do namorado, ele nunca coloca um ponto final na relação, como se automaticamente aceitasse tudo que Júlian faz.
Aspectos técnicos de A Casa das Flores
A produção é simples, mas nem por isso, menos opulente. A floricultura e, mais tarde, o cabaret, que pertencia a Roberta e é introduzido na história, são bonitos e bem decorados. Assim como a mansão em que a família vive, que abusa das cores fortes. Cada cômodo é de uma cor, a sala é verde, um quarto é azul, outro vermelho. Em uma casa real, isso seria insuportável, mas faz muito sentido dentro de uma série protagonizada por uma família tão extrema.
A série também tem uma narradora em voz over, que aparece no começo e no fim dos episódios, conversando e dando dicas para os telespectadores (nos episódios finais por exemplo, fala “obrigada e até a próxima! ”) e com os personagens (parabeniza Júlian quando ele finalmente se assume), embora não obtenha qualquer resposta. A narradora fala do futuro e fica claro que ela sabe tudo que aconteceu com a família, mas não se revela em momento nenhum.
A Casa das Flores brinca até com aspectos de outros gêneros, uma vez que teve duas cenas musicais protagonizadas por Júlian, uma na primeira temporada e uma na segunda. E, indo na contramão da grande maioria das produções audiovisuais, aqui há bastante nudez masculina e pouquíssimas cenas de nudez feminina, que são consideravelmente menos reveladoras que as masculinas.
O elenco
O que também segura a série muito bem são as suas atuações. O elenco é encabeçado por Verónica Castro, famosa atriz mexicana, que fazia muitas novelas e que aqui está disposta a tirar sarro dos personagens que antes interpretava a sério; Cecilia Suárez também desempenha muito bem o papel da filha mais velha e que na teoria, é mais ajuizada; e Dario Yazbek Bernal está extremamente divertido no papel de Júlian. O elenco de uma maneira geral, parece se relacionar muito bem entre si, o que ajuda muito a dinâmica da série.
Também é muito fácil se relacionar com os personagens. Já que a série fala sobre família, é possível apontar personalidades parecidas com as das famílias dos telespectadores, mesmo que na série tudo seja exagerado. A trama do homem casado, com a família perfeita, mas que mantém uma segunda família, é relativamente comum na vida real, especialmente quando se trata de homens de uma determinada geração; assim como a figura da filha mais velha que se acha no direito de “colocar ordem na família” ou o filho mais novo, que foi tão mimado pelos pais, que não sabe fazer absolutamente nada sozinho.
Temas relevantes
A Casa das Flores fala de temas importantes, mesmo que o faça de maneira cômica, como por exemplo, a transição de gênero do marido de Paulina, que é um problema para ela no começo, mas que ela acaba aceitando com o tempo. O assunto é importante e merece ser debatido, mas também é engraçado, uma vez que José Maria se torna simplesmente, Maria José.
Ou a sexualidade de Júlian, que se debate entre Lucia e Diego e que quando decide se assumir como gay, acaba caindo nos encantos de Lucia. Assim, no final, constata que é bissexual. É interessante que esse tema venha à tona, uma vez que embora a representação de personagens gays na televisão e no cinema seja cada vez maior, a de personagens bissexuais ainda é pequena. A Casa das Flores ainda se importa em mostrar a confusão do próprio Júlian, que embora esteja apaixonado por Diego, ainda se sente atraído por Lucia.
Mas o tema principal da série ainda é a família e as relações que se dão a partir disso. Os três irmãos parecem não se suportarem, no entanto, se apoiam a todo momento. Júlian e Elena são os primeiros a apoiarem a mudança de sexo de Maria José, assim como Paulina e Elena são as primeiras a saberem do romance de Júlian e Diego e não vêem qualquer problema nisso. As irmãs nem parecem tão incomodadas quando descobrem que o irmão mais novo está fazendo programa e tratam isso como uma coisa comum, que acontece em qualquer família.
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A Casa das Flores também quer falar sobre o perdão, uma vez que todos os personagens erram constantemente e mesmo assim são perdoados com frequência. Ernesto recebe o perdão dos filhos e até da esposa, mesmo tendo uma amante e uma filha fora do casamento; Diego perdoa as traições de Júlian com uma frequência quase assustadora e mais tarde, o inverso também acontece. É interessante que a família de La Mora permaneça unida depois de infidelidades, roubos e escândalos sexuais, mas é justamente isso que faz a série tão divertida e diferente.
As duas temporadas de A Casa das Flores estão disponíveis na Netflix.