A Mulher Que Fugiu
Às vezes, tudo o que a gente precisa na vida é de um filme chato. Alguma história boba que não te deixa tenso; algumas cenas tediosas para bater de frente com a correria do dia a dia; ou uma desculpa para entrar numa sala escura no centro da cidade e tirar um cochilo de uma hora e meia. “A Mulher que Fugiu” (도망친 여자, 2020, Coréia do Sul) é um desses filmes chatos e, mais do que isso, é uma lindíssima homenagem a todos os filmes chatos que vieram antes dele.
Sinopse
A sinopse não importa. Se importasse, o filme não seria chato.
A gente acompanha uma personagem tendo umas conversas casuais com algumas amigas, como se ela estivesse passeando em um final de semana qualquer. Não é nem ela “a mulher que fugiu” do título, já que tem outra mulher que fugiu.
E o filme é isso: amizades sinceras jogando conversa fora. A câmera fica parada, eventualmente fazendo um zoom ou outro, elas comem, fazem churrasco, comem maçã, tomam café. São umas amizades sinceras mesmo, não dá nem para dizer o contrário.
Conversa para boi dormir
Lembro que eu fui assistir Homem-Aranha 3 com uns amigos naquele longínquo 2007. Estávamos todos ansiosos pelo filme, mas perdemos a sessão e, para esperar as duas horas pela próxima sessão disponível, ficamos no bar. Completamente embriagados, entramos para ver o filme. Meu amigo estava bêbado e dormiu no chão do cinema.
Em Underworld 2 eu tinha acabado de sair de uma maratona de entregas no trabalho e entrei no cinema completamente exausto. Eu nem queria ver o filme e não vi: dormi durante os trailers e acordei durante os créditos.
São apenas dois exemplos aqui para dizer que um filme não precisa ser memorável para ser memorável vê-lo. E você nem precisa vê-lo para que o ato de vê-lo se torne memorável.
Ode à sesta
Assistir “A Mulher que Fugiu” pode ser um alento para o público buscando um descanso. Entrar numa sala vazia (como fatalmente estarão as sessões deste filme) já é um alívio em tempos pandêmicos. Poder descansar as pálpebras sem ser julgado por isso é mais do que um alívio: é uma benção. Você tira um cochilo no filme e tem a sensação de girar uma roleta: quando você abre os olhos de novo, quanto tempo se passou? 5 minutos? 20 minutos? Quantas cenas se decorreram?
Não importa e é impossível saber: os personagens usam as mesmas roupas e continuam nas mesmas conversas fúteis. O filme propositalmente nem coloca música para não incomodar o sono da audiência. Ele é até um filme curto para você não perder os compromissos do resto da tarde e nem estragar o seu sono depois à noite.
O resultado não é somente uma ode à sesta, mas é também uma gigantesca homenagem aos filmes chatos. Os personagens até assistem filmes chatos dentro do filme, em um momento que ele se permite ser meta. Infelizmente faltou um pouco de coragem à diretora em fazer os personagens dormirem enquanto assistem filmes chatos. Ou pode ser que não. Pode ser que essa cena ocorreu, mas passou ali enquanto eu estava dormindo.