A Última Floresta
Bem executado, A Última Floresta é uma iniciativa de Laís Bodanksi e Davi Kopenawa para mostrar ao mundo “do lado de cá do grande rio Oceano” a mística relação com o ambiente e a pressão externa vivida pelo povo Yanomami na região de Roraima.
Com cinematografia aprimorada a cargo do espanhol Pedro J. Márquez, destacando a fotografia e a iluminação, sempre um desafio em tomadas ao ar livre, o filme é um expoente entre outros do mesmo segmento: ficção de matizes documentais.
Apoiada pelos enquadramentos que valorizam os rostos e corpos indígenas, a direção de Bolognesi (Uma História de Amor e Fúria) faz um bom trabalho com os membros dos povos originários da região da Amazônia onde estes povos habitam: todos parecem à vontade em frente à câmera, fazendo o que fazem normalmente em seu cotidiano, com os trejeitos e feições naturais, valorizando a beleza delicada do povo Yanomami.
A Última Floresta
É sempre divertido imaginar como a equipe deverá estar se comportando enquanto a trama se desenrola à nossa frente; contudo, em nenhum momento ocorre uma intromissão visível. E há uma beleza nisso.
Essa beleza, aliás, não vive sem o misticismo (as cenas de pajelança e de acesso aos sonhos; a tradição oral passada pelos mais velhos aos mais jovens) e sem a convivência uns com os outros, o que os torna um grupo aglutinado e homogêneo.
Essa unidade é abalada pela influência dos humanos externos: garimpeiros seduzindo-os pela promessa das facilidades de uma outra vida; a intromissão de palavras portuguesas na sua própria língua nativa… Mas o cuidado nos conselhos dos mais velhos aos mais novos não denota agressividade nem opressão.
Yanomami
Não se quer aqui, contudo, idealizar o povo autóctone: os Yanomami levam uma vida simples e de batalhas constantes do dia a dia com a floresta, ao mesmo tempo seu lar e sua fonte de desafios e perigos. Também está claro por algumas peças de roupas e pela comunicação via rádio que temos uma comunidade humana com suas dificuldades; mas o filme é correto também nesse sentido, procurando passar uma veracidade equilibrada. Nada poderia se esperar de diferente, aliás, de uma produção que tem o toque de Laís Bodanski.
Este projeto pretende apresentar ao mundo a odisseia pela qual tem passado por toda a sua vida o líder Davi Kopenawa, que leva o grito de socorro Yanomami ao mundo, com viagens internacionais que o têm tornado conhecido. Um dos letreiros do filme, também, posiciona o atual estado de coisas: cita um governo que no momento em que o longa foi rodado, no mínimo, omite-se no combate à invasão dos garimpos ilegais na região.
A cultura cosmogônica da aldeia faz um esforço para entender a pressão vinda de fora: o contar da criação do mundo e do homem e a sua relação com os minérios e a “fumaça da doença” que exala da extração é um ponto alto da narrativa.
A terra é deles
É o momento oportuno de nos expormos a esse tipo de filme. Enquanto aqui nas grandes cidades, via de regra, estamos omissos e permanecemos omissos a tudo isso, apenas pressentindo as futuras consequências do ataque à Floresta Amazônica, o mundo “além do Oceano” olha com preocupação para as condições climáticas que começam a brotar do ataque à Biosfera; um mundo lá fora surge, atrelando a economia às condições de sustentabilidade. Por isso, considero necessário assistir a filmes como esse.
E melhor ainda quando filmes como esse têm qualidade técnica, com boa direção, som e fotografia esmerada e uma aura onírica e ao mesmo tempo urgente. Recomendo A Última Floresta. Não à toa, ganhou o Festival de Berlim e o EcoFestival de Seul.