AJ And The Queen (1ª temporada)
Rupaul Drag Race versão ficcional
Na série AJ and The Queen, Ruby Red (RuPaul Charles) é uma drag queen experiente que junta dinheiro para comprar sua própria boate, até o dia em que é roubada e enganada por seu namorado (Josh Segarra).
Ruby, então, precisa cair na estrada para fazer uma turnê e recuperar seu dinheiro. E tudo muda quando ela encontra AJ (Izzy G.), um garotinho da vizinhança escondido dentro do seu furgão.
Mas logo Ruby descobre que AJ é, na verdade, Amber Jasmine, que é uma garota que deseja ir para a casa do seu avô. Ruby e AJ se unem e resolvem fazer a viagem juntas, apesar de todas as suas diferenças.
AJ and The Queen – Personalidades opostas
A série aposta em uma trama muito simples: duas pessoas com personalidades bem distintas que acabam fazendo uma road trip juntas. Ou seja, elas precisam se aguentar para realizarem seus objetivos. Ruby precisa fazer sua turnê e juntar dinheiro e AJ quer chegar na casa do avô.
Certamente o caminho é cheio de problemas e situações difíceis, mesmo que engraçadas, e isso acontece basicamente em função da dinâmica das duas protagonistas. Enquanto Ruby é mais centrada e deseja mais do que tudo recuperar seu dinheiro perdido, AJ é sinônimo de confusão e arruma briga por onde passa.
Encarando dificuldades
Mas claro que toda a agressividade da menina é só uma carcaça que alguém que teve que encarar o mundo real muito cedo desenvolveu. A convivência com Ruby vai fazer com que ela mostre seu lado frágil, assim como a convivência com AJ vai fazer com que Ruby fale sobre a traição que sofreu.
Outro ponto que é interessante e que mais uma vez demonstra que as duas protagonistas são opostas é o fato de que Ruby é uma drag queen, portanto, um homem que usa roupas tradicionalmente femininas; e AJ é uma menina que finge ser um menino. Bem longe de querer falar sobre sexualidade, AJ And The Queen tem motivos pelos quais apresenta seus personagens dessa maneira. Eles funcionam muito bem e fazem sentido dentro da trama.
Rupaul Charles
Mas AJ And The Queen peca, e muito, na sua trama e isso acontece unicamente porque a série se apoia completamente em Rupaul. É mais do que óbvio que a série, escrita pela própria Rupaul e por Michael Patrick King, foi feita para os fãs de RuPaul’s Drag Race e não tem nada de errado com isso. O problema é não se esforçar no roteiro por acreditar que o público de Drag Race vai deixar isso passar e se sentir feliz apenas com as diversas referências ao reality show que são jogadas na série.
Não que Rupaul interprete uma personagem muito parecida com ela, afinal, Rupaul Charles é, provavelmente, a drag queen mais famosa do mundo. Dona de um império, comandante de um programa com grande audiência, foi responsável por trazer a cultura das drag queens ao mainstream – seja isso bom ou mal – rica e casada, e aqui interpreta uma drag queen de classe média que, embora seja famosa no seu meio, não tem nem um décimo do alcance de sua intérprete, que perdeu todo o seu dinheiro e foi traída pelo seu namorado, mas todo o clima de Drag Race está presente.
A série usa e abusa de bordões e piadas que foram feitas no reality e tem participações especiais de drag queens que fizeram parte do programa, como Bianca Del Rio, Chad Michaels, Ginger Minj, Jinkx Monsoon, Katya Zamolodchikova, Latrice Royale, Jujubee, Valentina e outras.
Aspectos técnicos
O segundo problema de escrever uma série de ficção completamente inspirada em um reality show é que muita coisa de AJ And The Queen não faz qualquer sentido para quem nunca assistiu Rupaul´s Drag Race. Tudo bem que o público que não conhece Rupaul e que vai se aventurar por AJ And The Queen tende a ser bem menor, mas a série se torna extremamente específica e nichada.
O grande problema da série é seu roteiro, que é bem fraco e tenta se segurar totalmente em Rupaul. A obra poderia ser repleta de referências e mesmo assim ter uma trama um pouco mais complexa e mais bem trabalhada, como acontece por exemplo, com Hurricane Bianca, filme protagonizado pela ex-participante Bianca Del Rio.
A série bebe muito na fonte de Priscilla – A Rainha do Deserto e em muitos aspectos tem temas parecidos. As duas obras apresentam uma série de confusões e situações que só fazem sentido dentro daquele contexto específico, mas “Priscilla” tem muito mais conteúdo e vai mais fundo quando o assunto é tocar nas feridas.
Existe uma tentativa bem rasa de retratar a vida das drag queens, mas que cai por terra no meio de tantas piadas e referências. Assim como Rupaul´s Drag Race é um simulacro do que é a cultura drag, já bem digerido e explicado para a audiência que não faz parte desse mundo, AJ And The Queen é a mesma coisa. Questões como o preconceito, a dificuldade de pagar as contas vivendo de shows e a separação da família biológica são trazidas à tona, mas não são analisadas ou desenvolvidas com muito afinco.
Problemas e mais problemas
Assim como a série também ensaia para falar de temas que afligem outros personagens, como AJ, que tem uma mãe viciada em drogas, ou a dúvida do ex-namorado trambiqueiro de Ruby, que embora não se considere gay, não sabe dizer se está ou não apaixonado pela drag queen. As duas questões, que poderiam render reflexões interessantes, são apenas jogadas na trama.
Outra questão que atrapalha são as atuações. Rupaul Charles não demonstra um grande talento para a atuação e vende muito mais a sua imagem do que suas habilidades. Além disso, Izzy G., que interpreta AJ também não é boa e apresenta uma personagem caricata e até meio falsa. É muito difícil acreditar que essas pessoas existem de fato.
AJ And The Queen, no entanto, acerta na sua trilha sonora, que é animada e mostra uma mistura de músicas que já fazem parte do universo das drags e constantemente são dubladas em shows, como Proud Mary e I Will Survive, com músicas de musicais, como Girl You’re a Woman, de The Best Little Whorehouse in Texas e músicas atuais, entre elas Ruby is Red Hot, da própria Rupaul e Me Too, de Meghan Trainor.
Sendo assim…
É impossível negar a importância de Rupaul Charles e o quanto suas iniciativas popularizaram e desmistificaram a cultura drag, mas AJ And The Queen não se segura nem como uma produção derivada de Rupaul´s Drag Race, feita para agradar os fãs e muito menos como uma produção independente.
A primeira temporada de AJ And The Queen está disponível na Netflix.