Bom Dia, Verônica – 1ª temporada
Produção denuncia violência doméstica e realiza um dos thrillers mais enervantes da atualidade
A série é a adaptação do livro de 2016 pela DarkSide Books, da dupla Ilana Casoy e Raphael Montes. Na época, eles assinavam sob o pseudônimo Andrea Killmore. A trama acompanha a complicada jornada da escrivã Verônica Torres para encontrar um criminoso manipulador, e sua busca por justiça à uma vítima de violência doméstica. É tanto uma história sobre a enorme ambição da policial de lutar contra um sistema burocrático, quanto o inferno que Janete sofre nas mãos de Brandão, agressor com tendências assassinas.
A série jamais se arrasta e faz bom uso de seus 8 episódios com uma história em várias instâncias. Seja da pesadíssima rotina de uma vítima (que é feita com extrema sensibilidade, sem banalizar o tema ou chocar com cenas muito físicas), seja do dia a dia na Delegacia de Homicídios (que guarda vários clichês do gênero, mas que adaptados ao nosso cenário, funciona sem fazer feio). Ou então no drama familiar da protagonista (que ainda guarda um passado trágico).
Bom dia, Verônica
Ao se enveredar por várias subtramas, mas mantendo um único tema (a violência doméstica de uma mulher que representa várias Brasil afora, idem ao feminicídio), Bom Dia, Verônica sustenta sua narrativa. Equilibra diálogos críveis e consistentes, com situações de puro sufoco psicológico. Vai até sequências brutais, nada gratuitas, e por vezes catárticas.
Além dos autores principais, a série também conta com o time de roteiristas formado por Gustavo Bragança, Davi Kolb e Carol Garcia. Eles conferem verossimilhança na maneira como os personagens falam e se comunicam, além dos pequenos detalhes burocráticos que envolvem as cenas na delegacia.
Em paralelo, os diretores José Henrique Fonseca, Izabel Jaguaribe e Rog de Souza oferecem uma condução inspirada e enervante, que não abre mão de uma estilização gringa para a identificação do formato muito além do Brasil. Ao mesmo tempo, usam e abusam de algo que somente a cinematografia brasileira é capaz de fazer: trabalhar dramas pessoais com alto senso de gravidade, em um espectro fortemente realista. Isso é algo que nenhum gringo jamais foi capaz de realizar, sempre deixando um rastro de artificialidade pelo caminho.
Uma bela produção
Em um país que entregou obras-primas, como ”Cidade de Deus” e os dois ”Tropa de Elite” e variadas séries policiais de qualidade nos últimos anos, não era de se esperar menos. O perigo, quando apresentado em nossas produções, não fica só a vias de fato. Ele se concretiza numa inevitabilidade violenta e crua, tal qual ocorre em nossa realidade.
Fonseca também mantém a identidade visual que apresentou quase vinte anos atrás, no ótimo ”O Homem do Ano”, trocando agora a Baixada Fluminense por uma São Paulo sem cartão-postal e de aspecto mais lavado, sujo e identificável, em passagens pela região central e no centro expandido da metrópole.
Verônica e seus amigos (ou inimigos?)
O grande trunfo da série de fato se dá em seu elenco. Todos estão à vontade em papéis ora desafiadores, ora maniqueístas e que funcionam dentro da premissa. A começar por Tainá Müller, de longe uma das melhores atrizes brasileiras, que desde ”Cão sem Dono” e depois ”Tropa de Elite 2” já mostrava um talento para produções complexas, muito além do conforto das novelas; com uma atuação naturalista, ela torna sua Verônica Torres uma protagonista empática, sensível, sexy, quebrada e forte ao mesmo tempo. Uma figura de várias camadas interessantes e que, seguindo a escala de terror e tragédia que a série assume a cada episódio, transforma-se de uma maneira quase inacreditável, deixando um gancho poderoso para seu próprio futuro.
Camila Morgado e Eduardo Moscovis também entregam interpretações brilhantes e muito fortes. Enquanto a ruiva assume um dos papéis mais difíceis de sua carreira e que simboliza diversas mulheres por aí (note as nuances de seus olhares, os gestos sutis para agradar o marido sem sofrer as consequências), o astro mostra uma faceta ora passivo-agressiva, ora escancarada na crueldade de seu abominável vilão (que assusta mais nos comportamentos de rotina no lar, do que nas atrocidades de serial-killer que apresenta mais tarde).
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Com menos camadas, mas não desinteressantes, temos ainda a lindíssima Elisa Volpatto fazendo a rival da escrivã e que pode se apresentar como alguém muito mais perigoso no futuro da série; Antônio Grassi como um chefe paternal; Sílvio Guindane quebrando os clichês do que se espera de figuras como ele; e César Mello como o ponto de equilíbrio em meio a tanta desgraça e corrupção.
Enervante e pesado, sensível e dramático, Bom Dia, Verônica consegue dosar importantes denúncias com entretenimento policial de alta qualidade. Tudo isso com a nossa cara, os nossos problemas e as nossas soluções.