Cadê Você, Bernadette? de Richard Linklater
Em todas suas formas de divulgação, desde a sinopse do filme, passando pelo trailer e, por deus, até o título do filme aponta para isso, a nova obra do diretor Richard Linklater, Cadê você, Bernadette?, faz parecer que o sumiço de sua protagonista é o grande “inciting incident” do filme.
Na estrutura mais básica de um roteiro, aquela da divisão em três atos de Syd Field, usada pela maioria dos arcos de história, o elemento de primeiro ato chamado “inciting incident”, é o distúrbio que vai levar a história pra frente e mover a transformação naqueles personagens.
O filme é uma adaptação do livro de 2012 de mesmo nome da autora Maria Semple, mas ele nos entrega uma história bem diferente da que parece prometer.
Cadê Você, Bernadette? – Call to adventure
Bernadette (Cate Blanchett) é uma arquiteta que há anos não trabalha em um novo projeto. Ela vive em Seattle porque o marido é um alto executivo da Microsoft (apesar deles usarem um iPad em casa) com Bee, a filha de 15 anos. A primeira cena já entrega a chamada para a aventura, de forma óbvia e literal. Bee quer ir pra Antárctica e a família topa.
Isso desperta em Bernadette, que já tinha aversão a pessoas e lugares muito cheios, uma crise de agorafobia. O sumiço da protagonista é um excelente anti-clímax e, no fundo, ele desanda o filme, ao invés de fazê-lo crescer. Isso porque, até então, a obra era uma execução típica de Linklater, que ficou marcado como um mestre em direção de cenas mundanas.
“As pequenas coisas da vida me comovem”, diz Bernadette em certo momento do filme, frase que provavelmente veio de Linklater (que também trabalhou no roteiro), já que seus filmes mais marcantes são transposições cinematográficas do cotidiano; como na trilogia Before Sunrise – Before Sunset – Before Midnight; ou no ousado Boyhood.
E é uma delícia ver aquela família lidando com pequenos problemas do dia a dia, com pequenas brigas e gigantescos gestos de amor. Os diálogos não estão tão inspirados quanto o habitual, mas ainda assim, tem seus momentos. Dessa forma, o destaque fica para a atuação de Cate Blanchett, que consegue criar uma protagonista convincente em meio a todos os problemas psicológicos e manias.
Entrando numa fria
Mas, mesmo em seus melhores momentos, o filme incomoda. Ele busca por soluções fáceis para problemas que não existiam de verdade; em certo momento, fazendo personagens assistirem um vídeo no Youtube em troca de um flashback. É preguiçoso e o resultado é ruim. Quando Bernadette finalmente desaparece, que é quando a história foge das cenas do cotidiano, o filme se perde.
Daí pra frente é uma série de eventos convenientes demais para acontecerem em sequência – dá pra imaginar o Deadpool comentando “that’s lazy writing!” depois de cada cena. O trabalho de marketing não ajuda, já que o final do filme é óbvio pra quem viu o trailer (que exibiu algumas cenas que foram literalmente tiradas dos créditos finais do filme).
Não é aquele Linklater
Como fã do diretor, o filme me decepcionou. É claro que, para quem faz trabalhos tão ousados, é necessário intercalar com projetos mais simples, fáceis e baratos. Principalmente quando se é alguém conhecido por fazer uma trilogia de 10 anos de diferença entre cada parte ou um filme que leva 12 anos para ser filmado.
Mesmo assim, para um diretor tão bom, o que se espera é um pouco mais de criatividade enquanto Linklater trabalha naquele musical que vai levar 20 anos para ficar pronto… Cadê Você, Bernadette? estreou dia 7 de novembro nos cinemas.