Como viajar no tempo e matar seu avô
Viagem no tempo está na moda. Estava. Estará. Sempre presente no imaginário de grandes autores de ficção, criando histórias incríveis e paradoxos que fazem a gente ficar quebrando a cabeça em cenários impossíveis. Há muitas formas de viajar no tempo e muitas as consequências possíveis de tais atos. Como ninguém sabe ao certo o que aconteceria se a gente voltasse no tempo para matar Hitler, cada autor inventou sua própria mitologia ao redor do tema.
Quando bem feita, a viagem no tempo pode tornar uma história muito mais envolvente e divertida – ao ser usado em Avengers: Ultimato, por exemplo, ela conseguiu prestar uma homenagem aos dez anos de história cinematográfica da Marvel adicionando uma nostalgia única ao filme.
Quando mal feita, ela pode estragar uma história, acabar com um personagem, e adicionar furos de roteiro capazes de fazer desmoronar uma saga inteira (eu poderia citar aqui “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” como um mal uso de viagem no tempo, mas não quero enfurecer os fãs do bruxinho).
Para ajudar o incauto leitor que estiver voltando do cinema depois de assistir Tenet e pensando “Uau! Não imaginava que dava pra viajar no tempo dessa forma”, segue alguns dos melhores usos da viagem no tempo na cultura pop e uma resposta para a questão “nesse universo aí eu consigo matar meu avô?”
De Volta Para o Futuro
Lógico, qualquer compilado de viagem no tempo não estaria completo sem incluir “De volta para o futuro”. Os filmes, de 1985, 1989 e 1990 são deliciosos e usam a viagem no tempo de forma incrivelmente errada, criando infindáveis furos de roteiro que, sinceramente: foda-se. É pra ser um entretenimento divertido, não um artigo do Richard Muller.
> Se você voltar no tempo para matar seu avô: você consegue. E desaparece depois, afinal você vai deixar de existir. E provavelmente acaba criando alguma lenda do rock no percurso.
O guia do mochileiro das Galáxias
Douglas Adams sabia o quão complexo e delicado era tocar no tema de viagem no tempo. Então ele passa parágrafos inteiros explicando o quão complexo e delicado viagem no tempo é. A vantagem de ter escrito um livro é que ele pode ser absurdo e deixar o leitor assumir o que quiser. Por exemplo: a máquina do tempo não foi tecnicamente inventada por ninguém, mas quem inventou voltou no tempo com ela, então ela foi descoberta – e isso aconteceu ao mesmo tempo em todos os períodos da história (!!??).
> Se você voltar no tempo para matar seu avô: o próprio livro responde isso e eu não me atrevo a alterar uma vírgula sequer do que escreveu Douglas Adams:
“Um dos maiores problemas encontrados em viajar no tempo não é vir a se tornar acidentalmente seu próprio pai ou mãe. Não há nenhum problema em tornar-se seu próprio pai ou mãe com que uma família de mente aberta e bem ajustada não possa lidar. Também não há nenhum problema em relação a mudar o curso da história – o curso da história não muda porque todas as peças se juntam como num quebra-cabeça. Todas as mudanças importantes já ocorreram antes das coisas que deveriam mudar e tudo se resolve no final. O problema maior é simplesmente gramatical.“
Primer
Shane Carruth é o diretor do filme de 2004 “Primer”. Ele também é o roteirista. Ele também é o ator principal. É também o produtor, editor e compositor. E fez o filme todo com 7000 dólares (isso é o que ele diz, mas provavelmente ele também era o diretor financeiro então ninguém consegue contestar). A história é terrivelmente complexa e obriga qualquer telespectador a assistir horas de vídeos no Youtube depois de ver o filme para tentar entendê-la. Mas o filme virou cult e a proposta de viagem no tempo que ele traz é bem legal e diferente.
> Se você voltar no tempo para matar seu avô: você provavelmente não consegue. Envolve ficar tempo demais numa caixa e alguma versão de você mesmo vai vir te encher o saco em algum momento.
Dark
Qualquer obra que envolva viagem no tempo e se passe na Alemanha tem que tomar o devido cuidado de evitar que os personagens caiam entre os anos de 1933 e 1945. Dark consegue isso, mesmo jogando os personagens pra lá e pra cá, movendo peças entre três gerações de famílias. São só três temporadas e a última adiciona alguns elementos novos nas regras de viagem temporal da própria série, o que me deixou meio decepcionado. Mas o final ainda é bem competente. Se você não assistiu a série pelo hype que ela teve uns meses atrás, não é este parágrafo que vai te convencer.
> Se você voltar no tempo para matar seu avô: você não consegue. E acaba virando o seu avô; cria uma árvore genealógica circular e tem que pagar terapia o resto da vida para aceitar o fato de que você está transando com sua avó. E tá chovendo lá fora.
Predestination
Ao saber que envolve viagem no tempo, aspectos deste filme que deviam ser enormes plot twists acabam ficando meio previsíveis. Mas eles avisam no trailer que tem viagem no tempo. E apresentam logo o personagem de Ethan Hawke como um “agente temporal”. Ainda assim, o filme é surpreendentemente legal e vai deixar você com o questionamento: “porque diabos isso daqui não é mais popular?”
> Se você voltar no tempo para matar seu avô: você até consegue, mas não no momento que você queria. E talvez você vire seu próprio avô. Ou faça seu avô conhecer sua avó. Quem sabe seu avô não vira a sua avó. Ou vice-versa, é um filme complexo.
Tenet
Como o filme acabou de chegar no cinema, não convém destrinchar aqui as regras de viagem no tempo que ele cria, mas é diferente de tudo que já fizeram aí em cima. A crítica já está disponível aqui.
> Se você voltar no tempo para matar seu avô: é bem provável que você não consiga: tem que aprender a matar pessoas ao contrário. E, pelo que é mostrado no filme, vai ser um trabalhão até chegar lá, cheio de explosões e perseguições de carro, dá muito trabalho, nem tenta.