Cruella – Como se tornar uma vilã icônica
Depois da violenta morte de sua mãe, Estella (Emma Stone) foge e passa a dormir na rua, onde conhece Horácio (Paul Walter Hauser) e Jasper (Joel Fry), dois garotos que vivem de pequenos roubos, e que a adotam.
Alguns anos mais tarde, os três moram juntos e aprimoraram seus golpes, mas Estella sonha em se tornar estilista. Quando ela conhece e é contratada pela Baronesa (Emma Thompson), uma famosa estilista de Londres, Estella vai pouco a pouco mostrando seu talento e subindo de cargo.
Até que ela percebe que a Baronesa não é exatamente quem ela parece ser e começa a planejar a sua vingança.
Estella – Cruella
Cruella é mais um filme que tem como intenção explicar como uma vilã se tornou uma vilã, assim como acontece em Malévola. Aqui a ideia é retratar a vida de Cruella Cruel, personagem de Os 101 Dálmatas, que no filme original queria transformar os filhotes de dálmatas em um casaco de pele.
Subentende-se que um filme de origem de um vilão vá nos dar um entendimento maior da personalidade dessa pessoa, que originalmente é retratada só como o mal encarnado e, para isso, o longa precisa que a audiência se compadeça do vilão. Em Cruella começamos a acompanhar a protagonista, cujo nome de batismo é Estella, a partir do seu nascimento, quando vemos que ela possui poliose, o que faz com que seu cabelo tenha uma parte branca.
Estella também é uma menina gentil, criativa e muito inteligente, que se interessa por moda desde pequena. Ela não nasceu vilã e nem é a definição do mal, mas tem momentos difíceis em que faz pequenas maldades, que fazem sua mãe batizar esse lado da sua personalidade de Cruella. No entanto, Estella, ainda criança, passa por problemas que fazem com que a menina vá ficando amarga e o primeiro deles é a morte violenta de sua mãe, que a faz fugir e viver nas ruas. O resto de sua vilania vai se desenvolver ao longo do filme.
A moda
Uma questão que é muito importante para a protagonista e, consequentemente, para o filme é a moda. Estella é apaixonada por moda desde pequena e seu sonho é ser estilista. Quando acaba na rua e precisa recorrer a pequenos roubos para sobreviver, ela precisa colocar seus planos em espera, embora continue desenhando roupas.
Tudo muda para Estella quando Jasper, um dos seus parceiros, consegue uma vaga para ela em uma loja de roupas. A moça acha que vai finalmente estar perto do que ama, mas acaba como faxineira do local e não tem muita chance de progredir. Quando, em um momento de raiva, ela organiza a vitrine da loja sem a permissão do seu chefe, ela acaba demitida, mas é notada pela Baronesa, uma estilista que Estella admira.
Estella acaba no ateliê da Baronesa onde, junto de várias pessoas, deve desenhar e costurar para a Baronesa e para a suas coleções. Ela rapidamente chama a atenção e vira a favorita da chefe, que não hesita em usar as criações de Estella como sendo dela mesma.
E você, gosta de moda?
Em um filme, o papel da moda, geralmente, fica restrito ao figurino que, por mais interessante que seja, não chama a atenção do público geral. Não é o caso aqui, onde a moda é uma das questões mais importantes do longa. Não só é a primeira paixão da protagonista, mas também é a forma que ela encontra para ascender socialmente e para, mais tarde, buscar sua vingança e se tornar a vilã que conhecemos.
Se tornando Cruella
Cruella é uma parte da personalidade de Estella que sempre existiu, mas que, por conselhos da mãe, a menina sempre manteve controlada. Depois de levar uma série de sopapos da vida e perceber que as pessoas ao seu redor não são tão boas quanto parecem, Estella começa a liberar Cruella aos poucos.
Sua relação com a Baronesa começa como aprendiz-professora, mas vai se tornando frustrante, conforme Estella nota não só que a estilista não é quem a protagonista achava que ela era, como também é capaz de subtrair designs de Estella que ela pretendia guardar para si mesma. Isso impulsiona Estella a dar vida a Cruella e tentar roubar o lugar, a fama e o prestígio da Baronesa.
O que faz uma vilã
É interessante que o filme não tome caminhos fáceis e que geralmente são usados quando se fala em decepções de personagens femininas, como por exemplo, relações românticas que deram errado ou em casos mais extremos, violências que sofreram.
O filme não tem nenhum plot romântico e a motivação de Estella é, em muitos aspectos, pessoal e profissional: ela quer ser alguém na vida e quer viver da moda. Isso faz com que o roteiro soe não só atual, onde se exige que personagens femininas tenham mais tramas do que só interesses românticos ou relações com personagens masculinos, como também realista, afinal, mulheres não sofrem e não se decepcionam unicamente por amor.
O longa, no entanto, não vai tão a fundo quanto poderia ir. É óbvio que a plateia precisa sentir empatia por Estella, mas não necessariamente por Cruella, que já é uma vilã famosa, cujas ações seriam ainda mais julgadas nos dias de hoje do que na época do lançamento de Os 101 Dálmatas. Porém, quando Estella assume definitivamente a personalidade de Cruella, ela não se torna exatamente a mesma Cruella que conhecemos, o que é um pouco frustrante, já que o telespectador espera entrar na sessão acompanhando uma jovem boazinha e inocente e terminar vibrando com uma grande vilã.
Os figurinos
Este é um filme que fala de moda, então, é natural que o figurino seja uma questão muito importante. O longa se passa nos anos 1970 e as roupas, em sua maioria, fazem referência à moda punk. Quando ainda se identifica como Estella, a protagonista usa roupas mais simples, que fazem com que ela desapareça entre a multidão mas, assim que começa a se tornar Cruella, suas roupas mudam significativamente e ela vai se tornando cada vez mais excêntrica, mas também mais chique.
Os figurinos não são realistas e nem são roupas que alguém poderia usar no dia a dia, mas quando pensamos que a moda de passarela – que é o que Cruella está fazendo no filme – existe basicamente para ditar tendências, faz muito sentido que a personagem produza esse tipo de roupa e que conforme ela mergulhe mais a fundo na sua nova personalidade malvada, ela passe a incorporar essas roupas de passarela no seu figurino do dia a dia. Ela tem vestidos com frases de efeito, vestidos com mais de 393 metros de tecido e roupas com inspiração animal. É muito fácil lembrar das peças de Vivienne Westwood e Alexander McQueen.
Parece que a ideia do figurino é fazer uma declaração, que é o que Cruella está querendo fazer e que combina muito com a moda punk, que inspira as roupas do filme. Figurino, maquiagem e cabelo também são usados para diferenciar Estella, que usa roupas comuns e simples, de Cruella, que usa roupas dignas de um desfile.
Estella + Cruella
Existe uma diferença, no entanto, entre as roupas de Estella e de outros personagens, que também circulam o mundo da moda. A Baronesa usa roupas bem mais discretas e que remetem muito mais aos anos 1950 e 1960 do que Estella.
Quando a protagonista começa a desenhar para a grife da Baronesa, ela apresenta criações que “bagunçam” e subvertem o estilo da estilista, como se Estella modernizasse a grife. A Baronesa e a sua moda, que parece feita antes da invenção do Prêt-à-porter – mas que nem por isso é menos bonita – são o passado e Estella e sua moda jovem, inovadora e criativa, são o futuro, como a própria Cruella coloca em uma maquiagem icônica do longa.
Já Artie (John McCrea), vendedor de um brechó que se torna amigo de Estella e que está no filme com a intenção de ser um personagem queer que nunca se assume diretamente e que nem tem nenhuma relação romântica que deixe isso claro, faz uma clara referência ao glam rock, outra vertente popular dos anos 1970.
Seu estilo é andrógeno, ele usa maquiagem e cabelos ligeiramente compridos e lembra muito David Bowie. Ele conta a Estella que recebe olhares estranhos na rua e que na sua loja todo mundo pode usar o que quiser, independentemente de seu sexo biológico, o que é uma mensagem importante e que tende a reforçar a ideia de que ele é um personagem queer, mas o esforço ainda é pequeno, uma vez que a audiência nunca tem certeza e precisa se valer de estereótipos.
O figurino certamente é um dos pontos altos de Cruella e é impossível não agradar os fãs de moda.
Aspectos técnicos de Cruella
Por ser uma produção da Disney, esta é, com certeza, uma grande produção. A primeira coisa que chama a atenção é o visual do filme, tudo em Cruella pende para o preto e o branco, os cenários, a fotografia, os figurinos e a maquiagem. Existem várias referências aos dálmatas desde o começo como, por exemplo, os carimbos em forma de bolinha que o diretor do colégio marca no histórico de Estella cada vez que ela faz algo errado, os dálmatas que são responsáveis pela morte da mãe de Estella e, mais tarde, o figurino que ela usa no dia do seu primeiro desfile.
Um dos problemas do longa é justamente o fato de que a parte visual é superior ao roteiro. Não é que o filme seja ruim, mas a trama é simples e apela para saídas fáceis, enquanto a parte visual é muito bem pensada e salta muito aos olhos.
A trama instigante consegue fazer a audiência simpatizar com a protagonista, mesmo sabendo que ela vai se tornar uma mulher que quer transformar filhotes de cachorrinhos em um casaco de pele. Entretanto, em muitos momentos o roteiro recorre a soluções que beiram o deus ex machina e que deixam o telespectador um pouco frustrado.
A sensação que se tem é que o longa criou uma personagem muito inteligente e focada na sua carreira e no seu futuro, mas que não se esforçou tanto assim na trama. O filme começa bem e de maneira estimulante, mas vai ficando um pouco mais lento com o tempo. A segunda parte é mais parada, mas isso não é suficiente para tornar Cruella um filme ruim.
A trama do filme é simples, mas é divertida
O elenco
Emma Stone dá um show de atuação e segura o filme todo, ela se sai bem tanto como a boazinha e focada Estella, quanto como a malvada – embora não tão malvada – e mais determinada ainda, Cruella. Emma Thompson também interpreta uma personagem com dois lados, que se mostra aos poucos, e se sai bem, mesmo que caia em saídas um pouco fáceis, que geralmente são usadas em representações de mulheres poderosas do mundo da moda.
Com um visual muito interessante, figurinos e maquiagens maravilhosos, e boas atuações, Cruella é um filme divertido, que cumpre o que promete e, mesmo que patine em alguns momentos, ainda consegue transmitir o glamour e o poder dessa vilã icônica.
O filme já está em cartaz nos cinemas e disponível no Disney Plus.