Darkdawn: As Cinzas da República, de Jay Kristoff

Uma das mais espetaculares trilogias do dark-fantasy contemporâneo ganha desfecho seguro, mas não menos impressionante

Não é novidade para ninguém meu forte apreço pelas Crônicas da Quasinoite, do gigante australiano Jay Kristoff, que não só guarda impressionantes semelhanças com minha escrita, narrativa e maneira de pensar alguns elementos e personagens, como também conseguiu me conquistar logo de cara em novembro de 2017 com “Nevernight” e depois em dezembro de 2018, com “Godsgrave“.

O autor compôs uma trilogia coesa, sólida e pra lá de inventiva. Subvertendo vários tropos do gênero nos dois primeiros livros, com muita violência e sexo explícito, ele não se perde somente nessa pegada hardcore de sua narrativa, para também elaborar um mundo fantástico que empresta elementos do Império Romano para construir um cenário repleto de criatividade e frescor, se comparado a outras obras atuais do gênero.

Repleto de personagens cativantes, uma premissa simples e uma mitologia envolvente, Kristoff faz dessa trilogia um prêmio para uma nova geração de leitores que estão prestes a desgarrar do jovem-adulto e migrar de vez para o adulto. Esse terceiro e último livro recompensa seu público, cumprindo todas as promessas feitas.

Darkdawn: As Cinzas da República
Darkdawn: As Cinzas da República

Darkdawn: As Cinzas da República

Claro que isso de “cumprir promessas feitas” também tem seu preço. O narrador (e não o autor, por favor não confunda), adianta ao leitor o que vai acontecer à protagonista no final, e também com o continente de Godsgrave. E entrega. Ao “spoilear” sua própria trama, ele também cria um desafio narrativo: o de surpreender seu público voraz durante a experiência de leitura (o que por si já é muito válido, já que como eu também defendo, o que não importa não é somente o final, mas o todo).

Nem sempre ele consegue surpreender, contudo, o que não diminui a jornada dos heróis. Se no primeiro livro tínhamos uma inventiva história de traição e assassinato em ambiente escolar, e no segundo uma pegada forte envolvendo gladiadores e planos dando errado, neste terceiro somos levados para uma construção mais tradicional e aventuresca, que também é bastante saborosa.

Entre as grandes passagens, destaco todas as sequências no mar pelos navios e as tormentas (Carl Corleone merecia um livro só dele!), as conversas dos parceiros pela estrada (que sempre revela mais de suas intimidades) e claro, a cena que antecipa o clímax, no retorno à Igreja Vermelha, responsável pela maior tensão do livro.

Darkdawn: As Cinzas da República
Darkdawn: As Cinzas da República

Uma leitura interessante

Eu ainda continuo não vendo problemas com as notas de rodapé (de humor negro afiadíssimo e totalmente condizentes com a trama), mas sigo incomodadíssimo com as repetições de estado de personagens. De duas em duas personagens o autor gosta de nos lembrar que os olhos de um são negros como a noite, e de que a moça estava usando tranças. Essas repetições contínuas e infinitas desgastam parte da leitura e soam quase amadoras, em uma necessidade absurda de atingir uma “leitura mais visual” (ela é, o que é ótimo, mas não precisa forçar, né), ainda que não oneram a experiência de fato.

Todo o clímax é o mais puro anime shonen de lutinha (o que, mais uma vez, mostra que Kristoff bebeu das mesmas fontes que eu), tanto da maneira como alguns personagens manipulam as sombras e os seus superpoderes, até das situações enervantes deles atravessando paredes e rachando o piso. Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco e My Hero Academia mandaram um abraço!

O triângulo amoroso construído aqui, meio bizarro, meio mórbido e completamente improvável, pode incomodar alguns, mas me agradou pela ousadia. As novas revelações do vilão e, principalmente, sobre a mitologia desse mundo, ganham um escopo épico e pra lá de interessantíssimo, arredondando todas as saídas e não dando um ponto sem nó.

Vale o investimento

O autor sabe fechar todas as pontas soltas, oferecendo novas informações, antigos dados e tudo isso sem perder a mão do entretenimento escapista de primeira, com lutas e batalhas bastante elétricas, brutais e sangrentas, enquanto também coloca na mesa um bocado de coração. O desfecho é bastante emocionante em dada medida, mesmo caminhando por uma estrada segura e menos inventiva que os dois livros anteriores.

Jay Kristoff construiu uma bela trilogia, nobres amigos e nos deu um terceiro livro que conserta o firmamento e revigora a literatura fantástica, do seu jeito bruto, mal-educado, mas incrível, sim.

Darkdawn: As Cinzas da República

Nome Original: Darkdawn: As Cinzas da República
Autor: Jay Kristoff
Editora: Plataforma 21
Gênero: Fantasia Épica
Ano: 2020
Número de Páginas: 704

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