Divertida Mente, psicologia em forma de animação
Engenhosa e genial, Divertida Mente é a animação que devolve a Pixar a propriedade sobre criações marcantes. Da mesma forma que a produtora foi certeira e singular ao dar vida a bonecos e realizar um tratado sobre o começo e o fim da infância no início de carreira, aqui ela retoma os primeiros passos para conceber o que talvez seja uma de suas maiores obras-primas.
Divertida Mente sabe dosar aventura, diversão e traz elementos clássicos dos cartuns sessentistas. Ao mesmo tempo conversa com o público contemporâneo e abre poderosas reflexões sobre o ser humano. Tudo de maneira leve, funcional e com ritmo pontual, onde não há sobras nem excessos. Pete Docter nunca desapontou e já havia nos emocionado antes. Escreveu ou dirigiu obras como Monstros S.A., Wall-E e UP! Altas Aventuras. Justamente as animações mais tocantes da Pixar, antes do mais recente Viva. Aqui ele retorna inspiradíssimo, no que pode ser sua maior produção até então.
Divertida Mente
Em seu roteiro, os sentimentos básicos de alegria, tristeza, nojo, raiva e medo são personificados dentro do cérebro de uma garota. Assim, a acompanhamos do nascimento até a adolescência, onde são trabalhadas metáforas e analogias que colaboram o tempo todo para a narrativa. Há também sacadas geniais envolvendo amigos imaginários; memórias de curto e longo prazo; sonhos e pesadelos; estruturas bases do ego; entre outros detalhes que parecem jogar uma lupa sobre nós mesmos de maneira precisa, evidenciando cada nuance do ser humano.
O design de personagens é fofo e bem resolvido, com cada sentimento assumindo uma forma que remete imediatamente a sua categoria. Das ilhas de personalidade (que podem desmoronar para que novas sejam levantadas), passando pelo trem do pensamento. Conhecemos a lixeira da memória, o set hollywoodiano para construção de sonhos (uma das partes mais criativas e divertidas do filme), a aplicação de uma ideia (através de uma lâmpada no painel de controle), o caminho irrestrito para o pensamento abstrato, o labirinto de memórias…
Tudo em Divertida Mente é cirurgicamente bem elaborado, se fazendo compreensível tanto para crianças (que terão a colaboração das cores e de algumas frases literais), quanto para adultos (que vão absorver imediatamente as mensagens por trás de cada gesto ou diálogo), valendo-se assim de uma experiência virtuosa, que pedirá novas e repetidas sessões continuamente.
Vale a pena assistir!
Dentre todos esses atributos, que por si já valem cada minuto do nosso tempo, a animação ainda consegue ir além, ao evidenciar que nenhuma emoção pode trabalhar sozinha. Muito pelo contrário, elas não são unidimensionais.
Assim, resumidamente, entendemos que não existe sentimento melhor ou pior; que o medo e o nojo nos fazem sobreviver (o medo impede que entremos na jaula do leão durante uma visita ao zoológico; o nojo, por sua vez, não deixa a gente comer um lanche apodrecido); que a raiva impede injustiças e estimula o sujeito a se defender; que muita alegria é ruim e pode nos tirar a noção (além de elevar o ego em momentos inapropriados); que a tristeza é necessária (melancolia nos leva a reflexão, além de dar abertura para o desabafo); que as memórias são fixadas pelas emoções; que memória define e influencia a nossa personalidade; que nós temos um verdadeiro arquivo de memórias (que verdadeiramente em nós funciona através de associação); e que há memórias que acabam apagadas. E que afinal, esquecer pode ser algo bom.
Somado ainda a uma trilha radiante, um sacrifício extremamente comovente no clímax e sacadas muito bem tiradas com as emoções de outros indivíduos (como os pais da garota, além de figurantes durante os créditos, incluindo um gato, que é de rachar de rir), Divertida Mente é uma obra-prima moderna, que inegavelmente ficará em nossas memórias para sempre.