Eternos
Arrastado, pedante, autoindulgente e com personagens chatérrimos, Eternos se torna uma sessão de tortura seja você fã da Marvel ou não, apreciador de supers ou não, mas ao menos recompensa o público sobrevivente no seu terço final, quando se transforma em um espetáculo envolvente, pensante e belíssimo.
Por isso é tão difícil escrever sobre esse filme. Em maior parte, é uma produção perdida e insuportável. O material base, os quadrinhos, nunca foram realmente interessantes e os trailers já indicavam o grande comercial de perfume que isso seria e de fato foi.
O trabalho na trilha sonora de Ramin Djawadi (que em seu vasto currículo, marcou o mundo com Game of Thrones) é abatido, inexistente. O elenco faz o básico (com exceção de Gemma Chan e Angelina Jolie, que têm brilho próprio), mas seus personagens são chatos e jamais conseguimos torcer por eles. Quando morrem, não fazem falta, quando vencem, não nos é entregue o sabor da conquista (e o Kingo de Kumail Nanjiani e seu mordomo são uma das figuras mais insuportáveis do cinema moderno, pelos deuses, gente do céu). As piadas não tem graça, os diálogos não tem força e as interações são forçadas.
Eternos
O dilema dos Eternos nunca faz sentido (estruturalmente falando e não por escolhas individuais de cada um), já que eles pagam de “eram os deuses astronautas”, uma escolha pobre de narrativa. Afinal, se eles eram proibidos de intervir, porque deram a faca para criança assim que pisaram na Terra? Ou construíram um arado? O ser humano na Marvel não foi capaz de nada e ganhou tudo de mão beijada, sério isso? Problemático, no mínimo.
A talentosa Chloé Zhao não parece a mesma que nos brindou com o excelente Nomadland e dá-se a entender que esse não é o tipo de material com que poderia trabalhar (mas já retorno a ela). Tudo, na maior parte do filme, é tratado de maneira passiva, sem fôlego e desinteressada, com um vaivém no tempo e na história da humanidade (que já foi feito de maneira melhor por Hollywood ao longo de cinquenta anos), que tornam a experiência sacal.
Os monstros são bobos e não representam perigo real — e no final das contas, não serviram para nada. Tudo é escuro o tempo todo, muitas batalhas são incompreensíveis e essa atmosfera de baixa luminosidade só arrefece a experiência. Fotografia, efeitos especiais, tudo acompanha a displicência da direção, onde nada importa, mas existe, está ali (uma tendência perigosamente bocejante para o cinemão, vide que Villeneuve operou quase da mesma maneira em seu Duna).
O que vale é o fim
Mas aí chegamos no terço final e Zhao abandona a apatia em prol de um espetáculo visual que vai muito além do CGi em escala colossal. Trabalhando bem conceitos de metafísica, divindade, humanidade e existência, ela supera o discurso e o expõe de maneira interessante, finalmente dando relevância para seus personagens (jamais para Kingo, esse não tem salvação) , para seus conflitos (os físicos e os morais) e apresentando um desafio impressionante, de encher os olhos e apavorar nossos corações.
A representatividade chega tardia no MCU, mas feita com a sensibilidade devida. As sequências de luta, até então genéricas, cativam e mostram como a Liga da Justiça poderia funcionar nas telonas de verdade. O desfecho não oferece respostas fáceis, nem saídas simples, o que torna tudo ainda mais interessante (com duas cenas pós-créditos mais relevantes que a maior parte do filme).
A diretora tem toda a liberdade para propor aqui um filme diferente de tudo o que o MCU já entregou até hoje e nem de longe isso é o problema. Por isso ressalto que todos os méritos e erros são unicamente dela. Seu estilo único e intimista parece coeso com a vibe divina dos Eternos, mas isso só se revela no tal terço final. Para tanto, no entanto, é preciso sobreviver a uma sessão de terapia em família onde nada acontece e o que surge em tela vem escurecido e sem fundamento… Até que então, se justifica afinal.