Eu Estou Pensando em Acabar com Tudo
O livro de Iain Reid
O filme de Charlie Kaufman (não poderia ser outro diretor) já havia me arrebatado em 2020, mas a obra original consegue funcionar muito melhor em suas premissas que, já caminhando aos poucos para os spoilers, usa uma falsa DR para falar sobre solidão, principalmente, enquanto aborda problemas de socialização e fala, muito sutilmente, sobre transtorno dissociativo de identidade (talvez meu tema predileto, vide minha paixão por Clube da Luta, O Operário, Identidade, Ilha do Medo, Amnésia, Uma Mente Brilhante e tantas outras produções do gênero), problemas de socialização, depressão e fantasia de probabilidade (algo que me assombra desde sempre, como “o que poderia ter sido daquilo que não foi?”), trazendo filosofias de boteco – muito bem desenhadas pelo autor canadense, Iain Reid, nesse seu livro de estreia – em diálogos orgânicos e que fazem a narrativa andar.
Até me estranha saber que, para muitos, esta seja uma “leitura difícil”. Onde? Não estamos falando de Ulisses ou qualquer outra obra de James Joyce. Reid tem uma escrita simples, mas com uma história eficiente, porque foca os holofotes em seus personagens e, ainda que eles sejam um só, nesse belíssimo fluxo de consciência (que também serve como carta de despedidia e transforma o título, sempre óbvio ao se remeter a um suicida, em uma falsa promessa de término de relacionamento, só para depois provar a verdade imposta desde o princípio).
As reações e monólogos da protagonista sem nome (Kaufman erra nisso em seu filme, a chamando de Lucy, depois de vários outros nomes, mas ok), as trocas em papos naturalistas com Jake, as metáforas e outros simbolismos impostos, tudo é eficiente do começo ao fim, ainda que o desfecho, após aquele clímax tenso e sufocante – que tanto nos puxa para a próxima página, então a seguinte –, seja um tanto quanto explicativo demais, quase como se subestimasse seu leitor (e nisso, talvez, Kaufman acerte um pouco melhor).
Santiago Nazarian parece uma escolha certeira para a tradução, dado seu estilo literário. Adoro como o autor evidencia para o leitor o tempo inteiro o que vai deixar para revelar (repito, de maneira bem mastigada) lá no final: a maneira como cada personagem fala, os problemas com lactose, um retrato de infância, a invenção de um novo personagem no meio do caminho que parece – mas não é – um erro de narrativa (o “irmão problemático”), os gostos que se misturam, as lembranças do passado que começam a se embaralhar etc.
Eu Estou Pensando em Acabar com Tudo é um suspense psicológico de primeira, que flerta com o horror e com o abstrato na hora certa. Reid é sagaz e ainda coloca pequenos momentos em itálico, de um momento a parte da trama principal, com dois personagens comentando sobre o suicídio de um zelador, tão fundamental para o todo. E ao falar do medo da solidão na velhice (ou em qualquer período, inclusive em tempos de quarentena), Eu Estou Pensando em Acabar com Tudo me atinge com força, conversa comigo e tem tanto a dizer. Livro que merece releituras, mesmo já sabendo as respostas. O que importa, afinal, é a pergunta.