Fale com as Abelhas – uma luta contra o preconceito

Baseado no romance homônimo de Fiona Shaw e ambientado na Escócia de 1952, Fale Com as Abelhas (Tell it to the bees), conduzido por Annabel Jankel (uma das criadoras de Max Headroom e diretora de Super Mario bros.), conta a história de Charlie, vivido por Gregor Selkirk (no livro, Charlie narra a trama, já adulto, em flashback), um garoto que se interessa pelas colmeias de Jean Markham (Anna Paquin, Oscar de atriz coadjuvante por O Piano), uma médica recém-retornada à cidade e com a qual inicia uma amizade.

Isso dispara o envolvimento de Markham com a mãe de Charlie, Lydia (Holliday Granger, de Grandes Esperanças), trabalhadora de uma fábrica de tecelagem, de instinto rebelde e abandonada pelo marido, Rob. Circunstâncias levam Lydia e Markham a se aproximarem, o que força Charlie a fazer um esforço de entendimento e assimilação.

Para dar conta do que vê e sente, Charlie busca conforto numa tradição europeia: contar o que se passa às suas amigas abelhas. Segundo a lenda, quando um evento traumático acontece na família, algum de seus membros deve, em tons baixos e ritmados, à moda de zumbidos, contar a novidade às abelhas cultivadas, para que elas não se afastem ou morram e, por conseguinte, fazer com que o trauma seja superado mais rapidamente.

Fale com as Abelhas

Fale com as Abelhas

As abelhas também se prestariam a enviar mensagens aos entes perdidos; para exemplos dessa tradição relatada na pintura, busque “O Amigo da Abelha”, uma obra de Hans Thomas; “Uma Viúva e Seu Filho Contando às Abelhas Sobre uma Morte na Família”, de Charles Napier Hemy, ou “Contando às Abelhas”, de Albert Fitch Bellows.

Contudo, o que molda o olhar de Charlie para torná-lo de fato tolerante ao romance entre as duas mulheres mais importantes de sua vida e que se desenrola à sua frente (levando-o a dada altura a compreender que ele não precisa assumir o papel do cisgênero heterossexual masculino que a sociedade espera dele) ocorre logo no início quando, no consultório de Markham, Charlie ouve sobre os hábitos das abelhas: a de que produzem o mel pela boca; que elas se esfregam e “dançam” para se comunicarem; a de que a abelha rainha vive muito mais
do que as operárias; e a de que a maioria delas são fêmeas. Pronto: está posto o simbólico de tudo o que veremos.

Uma viúva e seu filho contando às abelhas sobre uma morte na família. Obra de Charles Napier Hemy (1841-1917)

As mulheres e as abelhas

O mundo de Charlie é comandado por mulheres; uma delas, sua mãe, tem e terá naturalmente ascendência prolongada em sua vida (simbolizada pela narrativa em flashback). Lydia e Markham têm um relacionamento homoafetivo; para que se consuma, a mãe de Charlie dança e utiliza desse recurso para seduzir Markham. Beijos e carícias ocorrem. Charlie busca aceitar a tudo com naturalidade porque ama as abelhas, conhece e respeita seus hábitos como propulsores de uma comunidade eficiente e inteligente.

A mensagem surge: assimilar o relacionamento entre as duas mulheres é um dos segredos para que aquela pequena cidadezinha escocesa prospere. Lydia é “abelha rainha” para Charlie em vários outros momentos. O garoto conta as desventuras de seu pequeno núcleo familiar às abelhas; associa a presença delas aos primeiros momentos de felicidade de Lydia com Markham. Para ele, em torno de sua mãe tudo gira; e as convoca para ajudá-la quando precisa. São propostas interessantes. Entretanto, o filme não fecha a reflexão de forma tão brilhante, infelizmente.

Fale com as Abelhas

Por que?

Em primeiro lugar, há um excesso de pieguice na narrativa, construindo o relacionamento lésbico à base de sofrimento; a luta para que as personagens permaneçam juntas envolve eventos sentimentalóides previsíveis. Depois, os momentos fortes que ocorrem mais para o final servem para manipular excessivamente o olhar de quem assiste. Com isso, em vez de nos dar a possibilidade de refletir criticamente sobre o que vemos, acaba por nos orientar desnecessariamente no sentido de tomar partido, algo que poderíamos fazer sem a necessidade de muletas sentimentais. Temos, então, com o perdão do trocadilho, um texto audiovisual “melado”.

Outro ponto: o enxame em um momento crítico do filme é uma licença poética boba e deslocada de todo o estilo do longa. Qual a necessidade em dar às abelhas um caráter de heroínas hollywoodianas? O papel dos pequenos insetos ruidosos, apresentado na cena da descrição do favo de mel e explorado simbolicamente durante todo o filme, merecia mais.

O livro de Fiona Shaw, do qual o longa se baseou, apresenta um final diferente, o que desagradou a própria autora, que buscou inserir a obra num novo olhar sobre relacionamentos homoafetivos: não mais apenas martirizados, mas também como mecanismos de felicidade. Faz sentido a crítica feita: o final foi modificado para dar conta da acomodação dos sentidos do público hétero?

Fale com as abelhas

Concordam?

Talvez já esteja mesmo démodé, como tem sido apontado, narrativas gays recheadas apenas de dor e sofrimento. Apesar de fazer sentido na ambientação da trama de Fale Com as Abelhas (o filme), começam a soar deslocadas.

O filme é tecnicamente correto; o figurino está bacana e equilibrado. Contudo, carece também de atuações mais marcantes. Anna Paquin, em particular, de quem eu esperava muito, contribui com uma atuação meio sem jeito. A direção não parece ter contribuído para deixá-la mais à vontade. Há também algumas perdas de oportunidade: o roteiro poderia aproveitar melhor um relacionamento interracial mas não o faz, o que acaba gerando certa estranheza acerca dos motivos de uma das cenas mais violentas de todo o filme. Temo dizer que Jankel poderia ter feito mais pelo livro de Shaw.

Fale com as Abelhas

Nome Original: Tell It to the Bees
Direção: Annabel Jankel
Elenco: Billy Boyd, Gregor Selkirk, Anna Paquin
Gênero: Drama, Romance
Produtora: Riverstone Pictures
Distribuidora: Arteplex Filmes
Ano de Lançamento: 2018
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