Help!, quando os Beatles enfrentam uma seita misteriosa
Help! é o segundo filme estrelado pelos Beatles e assim como Os Reis do Iê, Iê, Iê também foi dirigido por Richard Lester. Na trama, Ringo Starr recebe de uma fã um anel misterioso, que ele passa a usar. Quando a jovem Ahme (Eleanor Bron) aparece contando que o anel pertence a uma seita da qual ela faz parte e que quem o usa deve ser sacrificado, Ringo tenta tirar o anel do dedo, mas não consegue.
Os Beatles passam a ser perseguidos pelos lideres da seita, que querem sacrificar Ringo, enquanto são ajudados por Ahme, que começa a gostar de Paul.
De Os Reis do Iê, Iê, Iê para Help!
Se Os Reis do Iê, Iê, Iê foi produzido com rapidez na intenção de aproveitar a fama dos Beatles, em uma época em que se acreditava que o quarteto logo desapareceria, Help! tem uma proposta diferente. Em 1965, a fama dos Beatles parecia que só ia crescer cada vez mais. O primeiro filme tinha sido um sucesso de público, então parecia natural que o grupo fizesse outro filme.
Existem diferenças muito claras entre o primeiro e o segundo filme dos Beatles. Help! é um filme colorido, enquanto Os Reis do Iê, Iê, Iê é inteiramente em preto e branco. Essa é uma questão que não tem só a ver com a época em que os filmes foram gravados, mas também com o fato de que no primeiro filme os produtores não acreditavam muito no potencial da banda para vender um filme. Mas com Help! essa sensação já era diferente.
Help! também tem um roteiro um pouco mais elaborado que Os Reis do Iê, Iê, Iê. O primeiro filme tinha como mote mostrar o dia-a-dia da banda e por isso é quase um documentário, enquanto Help! é um pouco mais fantasioso.
A trama
O roteiro de Help! foi escrito por Charles Wood e coloca os Beatles em diversas situações inusitadas. O filme começa com um ritual de sacrifício que é interrompido, pois a vítima não tem o anel necessário. Logo descobrimos que a vítima, uma adolescente, mandou o anel para Ringo Starr. A ideia soa um tanto quanto absurda, mas fica claro que o roteirista fez alguma pesquisa antes de escrever.
Ringo Starr de fato usava muitos anéis e os colecionava. O nome Ringo inclusive vem dessa mania, já que Ring é anel em inglês (o nome verdadeiro de Ringo Starr é Richard Starkey). Assim, fica claro que Wood quis incorporar um pouco da personalidade dos Beatles ao filme. É impossível não agradar aos fãs, especialmente os mais fanáticos, que certamente conhecem as manias de seus ídolos.
O filme também tem cenas gravadas nas Bahamas e nos Alpes Suíços. Elas foram acrescentadas ao roteiro unicamente porque os Beatles queriam conhecer esses lugares.
A Seita
Help! também apresenta uma seita que não é bem explicada e nem muito bem caracterizada, mas que cumpre suas funções na história. Hoje em dia, certamente podemos ver muitos defeitos na maneira com que essa seita é mostrada no filme. Não ficamos sabendo os seus princípios ou ideias e nem sequer o porquê deles fazerem sacrifícios humanos, mas fica claro que a seita é oriental. As roupas que seus praticantes usam, assim como seus sotaques, nos remetem diretamente a Índia.
Quando você pensa no contexto em que Help! foi filmado, a seita pode não parecer nada demais, mas nos dias de hoje o filme já não cai tão bem, uma vez que retrata os Beatles, ingleses, como civilizados e os praticantes da seita, orientais, como selvagens, que sacrificam e perseguem pessoas.
Independentemente disso, o roteiro de Help! mostra um pouco do espírito da época, uma vez que a cultura indiana e oriental se tornou alvo de grande interesse nos anos 60. Em 1968, os próprios Beatles passariam um tempo em um retiro na Índia, junto com suas respectivas esposas, Mia e Prudence Farrow; George Harrison se tornaria cada vez mais interessado nessa cultura, a ponto de aprender a tocar cítara e introduzir o instrumento nas suas músicas.
Leia aqui sobre o filme Os Reis do Iê, Iê, Iê
Help! também antecipa outros eventos da década de 60. O movimento hippie pregava um abandono da sociedade e a convivência entre uma nova família, mais ou menos como uma seita despontaria no final da década; e a família Manson, uma seita de jovens, que cometeu uma série de assassinatos seria descoberta em 1969. De alguma maneira, as coisas parecem se interligar.
Ahme
Outro diferencial de Help! é que ele tem um forte protagonismo feminino, pelo menos para a década de 60. Ahme aparece como um membro da seita que persegue os Beatles, no entanto, ela acaba se apaixonando por Paul e resolve ajudar o grupo.
Em Os Reis do Iê, Iê, Iê, Paul também tinha uma cena com uma moça, que não tem nem nome, e essa é uma dinâmica que apareceria em outros filmes dos Beatles, uma vez que os roteiros se apoiam muito na personalidade de cada Beatle ou na ideia que as pessoas faziam deles. Paul era considerado o Beatle mais bonito, mas em Help! essa dinâmica parece ganhar mais contornos.
Ahme pode aparecer pela primeira vez como um mero interesse romântico (que nunca se concretiza) para Paul, mas é ela que sabe os segredos da seita e, portanto, é a pessoa que tem mais chances de enfrentar os vilões do filme. E enquanto todos os outros personagens do filme, que são todos homens, são retratados como atrapalhados, inclusive os próprios Beatles, Ahme é a pessoa mais bem organizada e competente de Help!. Em diversos momentos é ela que salva os Beatles, o que é uma trama até bem moderna para 1965.
Aspectos técnicos de Help!
Help! não é o melhor filme dos Beatles e embora tenha tido um certo sucesso de público, não teve tanta sorte com a crítica. Por outro lado, Help! é sim, um filme bem divertido que parece ter sido originalmente bem pensado. O filme tem diversas influências que aparecem claramente no roteiro, sendo a principal delas os filmes de espionagem, muito comum nos anos 60, especialmente os filmes de James Bond. Se você parar para pensar, todos os elementos de um filme do 007, pelo menos dos antigos, estão presente em Help!. Os mocinhos, a mocinha sedutora, o estrangeiro perigoso, as perseguições e a polícia.
A diferença mais óbvia entre este e qualquer outro filme de espionagem é o humor. Help! surge desde o começo como um filme que quer fazer piada de si mesmo e isso fica bem claro. Nesse aspecto, Help! lembra os filmes da Pantera Cor de Rosa, especialmente quando a Scotland Yard, que é ainda mais atrapalhada que a seita e que os Beatles, aparece.
O humor no filme é quase involuntário, muita coisa que aparece em Help! é natural do quarteto e já tinha sido vista no primeiro filme. Muita coisa foi filmada e pensada enquanto os Beatles estavam sobre o efeito de maconha e por isso, soam engraçadas.
O bom humor do Fab Four
Fica claro também que o filme teve uma grande produção que apostava em seu sucesso. Primeiro porque o filme tem diversos cenários (diferentemente de Os Reis do Iê, Iê, Iê, que se passava em um trem e um hotel) em diversos países diferentes. Embora os figurinos dos Beatles se pareçam com suas roupas comuns, os figurinos dos integrantes das seitas são um pouco mais elaborados.
Uma das partes mais divertidas do filme é a casa que os quatro músicos dividem. Há quatro portas da frente, como se fossem casas diferentes. Dentro delas cada um tem o seu quarto decorado de acordo com sua personalidade. George, por exemplo, tem um quarto verde, com grama de verdade (e seu próprio jardineiro) no chão; John tem uma cama que fica embaixo do chão; Paul tem um piano que sobe do chão quando ele precisa; e Ringo, um quarto cheio de máquinas de comida. Esse é um recurso que seria repetido na criação do ônibus das Spice Girls em O Mundo das Spice Girls.
As músicas
A trilha sonora inclui algumas das músicas presentes no disco de mesmo nome, entre elas estão You’re Going To Lose That Girl, Another Girl, Ticket To Ride, You’ve Got To Hide Your Love Away e naturalmente, Help! Os números musicais são interpretados fora do estúdio ou dos palcos, como acontecia em Os Reis do Iê, Iê, Iê, embora as músicas nem sempre tenham a ver com a trama do filme. Help! funciona mais ou menos como um filme com uma trama independente que quer apresentar diversas músicas dos Beatles.
No entanto, as cenas em que os Beatles cantam funcionam e são muito divertidas, como por exemplo, a cena de Ticket To Ride, que mostra o quarteto nos Alpes Suíços, esquiando, caindo e escorregando.
Help! não recebeu tanto reconhecimento quanto seu predecessor, mas é um filme divertido, que se esforça para agradar aos fãs. Quando assistido sem qualquer preconceito, pode ser um bom entretenimento, até para quem não é fanático pela banda.