Homem-Formiga e a Vespa (2018)
Agora, sem um roteiro divisivo em mãos (o primeiro longa teve boa parte da trama escrita por Edgar Wright, que também tinha outra visão de caminho pro enredo), o diretor Peyton Reed continua o bom caminho trilhado antes, mas assumindo todas as rédeas, estabelecendo sua identidade na película, enquanto entrega uma obra independente do MCU (basta você ter assistido ao primeiro Homem-Formiga para sua compreensão), pois até mesmo os cruciais elementos de Guerra Civil são explicados didaticamente e mais de uma vez, para quem pegou o bonde andando.
A premissa, como anteriormente, não envolve nenhum ato heroico, e sim uma ação de flerte criminoso, que resulta em várias consequências. Depois de ter ajudado o Capitão América na Guerra Civil em 2016, lá na Alemanha, Scott Lang segue em prisão domiciliar com a tornozeleira eletrônica e as visitas inconvenientes do FBI, além da filha, colegas do trampo e ex-esposa, em um tédio longo de rotina, nessa história que acontece semanas antes do estalar de dedos de Thanos, que também justifica a ausência do Homem-Formiga na grandiosa Guerra Infinita.
Ao descobrir uma conexão com Janet Van Dyne – a Vespa Original – depois da viagem ao Reino Quântico no primeiro filme, Scott volta a ser procurado pelo Dr. Hank Pym e Hope Van Dyne, o que desencadeia todo o restante do rolo, envolvendo ainda um gângster ambicioso pelas tecnologias Pym para o mercado negro, um agente obcecado em flagrar e prender o trio, uma adversária moribunda e imparável, além de outras figuras que incham um pouco a obra com subtramas diversas, sendo metade delas não exatamente necessárias.
O elenco continua à vontade e as adições entram no mesmo clima, mas valem aqui alguns destaques, como o retorno divino, ainda que curto, de Michelle Pfeiffer como a primeira Vespa; um Michael Douglas ainda mais rabugento e azedo, fazendo as vezes de um bem-vindo Tio Patinhas; um formidável Michael Peña, que ao lado de David Dastmalchian e T.I., consegue entregar alguns dos melhores momentos do longa; e não menos importante, Paul Rudd conseguindo equilibrar seu tom paternal (em ótima química com a fofa e promissora Abby Ryder) na mesma medida que tenta se ajustar na vida depois de tantos erros passados, reassumindo o manto do Homem-Formiga mais por acidente do que por um ato nobre, que de qualquer maneira ele desempenha muito bem, o que favorece a empatia rápida com o personagem; e Evangeline Lilly, sempre maravilhosa e agora mais cínica do que nunca, com as melhores cenas de ação do filme e uma naturalidade visível em tudo o que se propõe a executar em cena, da fúria à paixão, do sarcasmo à esperteza (e sem a menor forçação de barra, ela é aqui tão protagonista quanto ele, enobrecendo sua escolha no título). E ainda que o Bill Foster de Laurence Fishburne só sirva de apoio a “vilã”, Fantasma, interpretada pela bela, mas deficiente Hannah John-Kamen (ainda que de fato sua personagem tenha poderes impressionantes em tela, da invisibilidade à intangibilidade), e que estão no roteiro mais para servir de empecilho, do que com um fundamento realmente convincente. Ok, poderíamos dizer o mesmo do traficante tecnológico Sammy de Walton Goggins, mas ele ainda oferece ceninhas mais divertidas entre uma sequência e outra, dentro do vaivém atrás do prédio-maleta que contém um laboratório super-eficiente para entrada no Reino Quântico, que tanto serve para busca atrás de Janet, como para interesse do mercado negro, e também para uma possível cura para Fantasma, vítima de erros de cientistas do passado. Todos ali tem o mesmo objetivo, com motivos distintos, e mesmo assim os “vilões” soam quase descartáveis, mas também não afetam a qualidade do enredo.
Com cenas impagáveis, da “possessão” de Janet em Scott, até dos efeitos do Soro da Verdade sobre Luís, o diretor sabe equilibrar o humor de um jeito mais sofisticado, passivo e menos escandaloso, o que soa melhor do que outros trabalhos nesse sentido dentro do MCU. O filme também equilibra bem as interações entre os personagens com ótimas sequências de ação, não tão infladas quanto outras obras do gênero e por isso mesmo menos cansativas de se assistir. A sequência inicial do edifício do traficante tecnológico é ótima ao apresentar as novas habilidades de Hope como Vespa e o mesmo pode ser dito da sequência de perseguição pelas ruas da cidade, com o sempre ótimo uso do cresce-e-diminui das partículas Pym (e o minimalismo aqui além de bem sacado, se encontra super bem na figura dos Hot Wheels, entre outros detalhes), indo até o gigantismo com lentidão no oceano, não esquecendo ainda da ótima dupla Homem-Formiga e Vespa (que juntos desenvolvem uma maneira bem criativa de lutar), culminando no incrível fecho durante a viagem insólita de Hank pelo Reino Quântico – que continua psicodélico como antes, mas com adendos ainda mais inventivos, que fornecem personalidade a este micro mundo, incluindo perigos particulares (e fornecedor de poderes especiais para quem passa tempo demais lá, o que é algo curioso de se acompanhar daqui em diante), além das aberturas pro MCU, com a possibilidade de viagem temporal, mas que não é muito mais explorada além disso.
A trilha de Christoph Beck, pontuada por temas inusitados, ajuda a criar essa sensação de que o imprevisível norteia o longa, de roteiro simples e pouco inovador, mas que além de divertido, trás gás renovado para a franquia independente que começou a construir nos cinemas e que ainda deixa um gancho final e sutil para Vingadores 4, como esperávamos. Homem-Formiga e a Vespa é o filme mais família da Marvel, acessível e equilibrado.