Kingdom – 1ª Temporada disponível na Netflix
Quando George Romero encontra George R. R. Martin… Ambientada na Coreia, durante o período da Dinastia Joseon (1392-1897, mas mais ao final desta, pois já possuem pólvora), Kingdom acompanha a nação à beira de uma tragédia após o Rei tornar-se uma criatura sedenta por carne humana. Para impedir que o irresponsável príncipe-herdeiro Lee Chang assuma o trono, a Rainha Cho tenta omitir a notícia do povo e dos demais nobres e governantes até o eventual nascimento de seu filho.
Na tentativa de reconquistar seu posto e fugir de acusações de traição, Chang parte em busca do médico que cuidou de seu pai. Mas acaba descobrindo que uma infestação de mortos-vivos está crescendo desenfreadamente no interior do país.
Kingdom
Com uma produção suntuosa e belíssima, cada ambiente é trabalhado com forte saturação aplicada nas paisagens externas. As cores e a vivacidade dos locais são enaltecidas, sem transmitir qualquer artificialidade de um cenário de set. Isso também gera um interessante contraste quando os monstros surgem.
E ainda que muitos elementos possam criar paralelos com O Tigre e o Dragão ou Herói para nós, ocidentais, por exemplo, esta é uma série sul-coreana, que apresenta contextos que para a maioria serão novidade, mesmo que reconhecíveis, mas sem o viés fantástico ou absurdista (então nada de pessoas planando ou lutando kung-fu com maestria; malemá usam a espada com o mínimo de habilidade – verossimilhança é um ponto-chave aqui).
A trama
Tão pé no chão quanto Game of Thrones se propôs a ser, Kingdom deixa o surto como pano de fundo (mas não tão secundário quanto em The Walking Dead) para explorar o jogo político entre o protagonista e sua impiedosa Família Real e seus aliados, capazes de tudo para se manterem no poder; a medida que também coloca Chang para crescer além da nobreza. Este príncipe herdeiro vai de um monarca mimado e arrogante, que usava seu título como recurso, para um governante genuinamente preocupado com o povo. Isso sem abandonar alguns de seus trejeitos, ajudando a passar credibilidade para a transformação e fortalecendo sua caracterização.
Dessa maneira, o roteirista Kim Eun-hee estabelece o protagonista de maneira sólida e crível. Faz o público sentir empatia pelo personagem interpretado por Ji-Hoon Ju, que junto de seu guarda-costas Muyeong (o ótimo Sang-ho Kim), ganha a telinha com carisma na dose certa.
Enquanto outras obras do gênero tratam o levante dos mortos como o apocalipse social, aqui o tema serve como reforço para evidenciar as estruturas sociais e hierarquias que existem. Cria-se um distanciamento ainda maior entre a realeza e os pobres. Uma está segura nas capitais e lida com um engenhoso jogo dos tronos, que tem sua própria subtrama repleta de surpresas. A outra morre aos milhares em cada ataque ou pela fome, que é muitas vezes responsável pelo coração do enredo.
O que esperar de Kingdom
Evidente também são os paralelismos criados a partir daquele período histórico, conhecido pelos conflitos entre Coreia e Japão. O que serve então como metáfora para o impacto da guerra, de um jeito funcional enquanto elemento narrativo. No mais, o único ponto que não funciona é o humor. Mas ele aparece tão pouco, que você nem notará quando chegar.
A dramaturgia encontra uma direção inspirada nas mãos de Kim Seong-hun. Ela trabalha cada reviravolta do roteiro com engenhosidade e sutileza. Se mantém dentro do contexto, nunca parecendo uma saída fácil ou forçada. As ideias são muito bem sacadas. Desde dar uma maquiagem honestamente grotesca para os mortos-vivos, como também usar de contorcionistas para interpretá-los, fazendo com que sua linguagem corporal seja inumana, mas ainda crível. Ou do gatilho da trama ser através de um aberrante canibalismo involuntário; de fazer com que os mortos ataquem somente à noite, permitindo assim que os sobreviventes possam armar novas estratégias durante o dia (e dar fôlego a história, com outras nuances).
Em paralelo a isso, temos os jogos de poder se desenvolvendo na realeza, que são uma ameaça tão grande quanto os monstros, e um núcleo interessantíssimo responsável por outra parcela das grandes surpresas da série – tanto relacionado a prole da Rainha Cho (assumido pela contida Kim Hye-jun), quanto das verdadeiras e terríveis intenções de seu pai, o Ministro Cho Hak-jo (o assustador Ryu Seung-ryong), a medida que surgem indícios de um traidor no grupo rebelde.
Uma série diferente
Sem nunca perder o fôlego, o roteiro sabe injetar energia e criatividade na trama. Traz novos elementos, de certa forma pré-estabelecidos em outros momentos, para não soarem deus ex-machina. Fornecendo assim um entretenimento de primeira para fãs de terror, que buscavam uma produção um pouco fora da caixa.
A mistura de guerra em período histórico em um cenário asiático com surto de mortos-vivos, torna Kingdom uma série singular. São certeiros os 6 episódios dessa história que merece ser acompanhada por toda sua qualidade técnica e fotográfica. Definitivamente você nunca viu algo assim antes. E por aqui o inverno também está chegando.