Love, Death + Robots: inventivo, divertido e sagaz
David Fincher e Tim Miller comandam o projeto não aconselhável para menores, Love, Death + Robots. Os 18 curtas abrangem uma enorme gama de gêneros, desde a ficção-científica e fantasia, passando pelo horror e pela comédia. O mesmo vale para os diferentes estilos de animação, que incluem o tradicional 2D até o CGI 3D photo-real.
No que diz respeito às narrativas, os curtas também cobrem uma grande variedade de tópicos adultos. Ou seja, incluem racismo, governo, abuso de poder, guerra, livre-arbítrio e a própria natureza humana. São oriundos de centenas de autores e histórias, muitas delas descobertas pelo próprio Miller décadas atrás. Cada segmento tem de 5 a 17 minutos de duração. Eles foram criados por diferentes cineastas ao redor do mundo, incluindo animadores da Hungria, França, Canadá e Coréia do Sul.
Love, Death + Robots
Não se via uma produção desse nível desde o formidável Animatrix (2003) e Love, Death +Robots não fica atrás, considerando os mesmos quesitos. Inclusive, as comparações são inevitáveis, porque por aqui também temos histórias que questionam a realidade, ameaças de inteligências artificiais, e até o uso de algumas técnicas visuais, que remetem à obra pregressa.
Só que a coletânea da Netflix segue alguns passos além neste formato. Fornece uma viagem ora psicodélica ora reflexiva. Ao mesmo tempo é uma grandiosa homenagem à cultura geek setentista, das séries de FC, filmes de terror, quadrinhos de fantasia e literatura pulp. Cada história pode ser consumida de maneira independente e fora de ordem, com temas semelhantes, mas tramas distintas.
As histórias
A começar por “A Vantagem De Sonnie”, que traz aquela estética de videogame bastante identificável pelo público dos novos tempos, envolvendo um submundo onde feras são controladas por humanos para batalharem num ringue. “Os Três Robôs”, por outro lado, é uma trama divertidíssima com um trio singular de robôs. Cada um remete a um tipo de IA. Eles então redescobrem a história da humanidade em uma excursão por um mundo pós-apocalíptico. Quase uma mistura de Pixar com Edgar Wright.
O cel shading cobre a colorida “Proteção Contra Alienígenas”, onde uma comunidade de fazendeiros usa armaduras robóticas caseiras para defender suas famílias de uma invasão alienígena. Em “O Lixão”, um velho considera esse lugar seu lar, e não vai ser qualquer fanfarrão da cidade que irá tirá-lo de lá. O lindíssimo “Noite de Pescaria” retorna com uma animação tradicional, mas realista. Me remeteu imediatamente a Beyond (de Animatrix), tanto pela estética, quanto pela brisa. Narra uma noite com dois vendedores perdidos no deserto após seu carro quebrar, o que os faz embarcarem em uma viagem psicodélica ao início dos tempos.
Ou seriam os episódios?
Temos ainda o famoso artista Zima que fala sobre seu passado misterioso e sua ascensão ao estrelato antes de revelar seu trabalho final. Sendo assim, uma história emocionante sobre existencialismo, condição e simplicidade, em “Zima Blue”; um dos curtas que mais me lembrou a antologia das Wachowski (especificamente World Record). Em “Ponto Cego” temos uma gangue de ciborgues realizando um ataque relâmpago a um comboio armado. Com uma pegada Megaman pra lá de bem-vinda!
A comédia também encontra seu lugar no improvável “Era do Gelo”, o único live-action (conta com pequenas inserções animadas). Acompanhamos um jovem casal (interpretado descontraidamente por Mary Elizabeth Winstead e Topher Grace) que descobre uma civilização perdida dentro do freezer de seu novo apartamento. “Histórias Alternativas”, por outro lado, me lembrou bastante aquelas animações de After Effects para Youtube ou apresentações (e isso de maneira alguma é pejorativo, inclusive adoro), trazendo uma premissa engraçadíssima: quer ver Hitler morrer das formas mais cômicas possíveis? Agora você pode. Bem-vindo à Multiversidade.
Capítulos, então
“Quando o Iogurte Assumiu o Controle” é o mais curtinho de todos (ainda bem!). Traz um enredo bastante sem graça (mas que tenta ser cômico) sobre um iogurte que ganha vida e inteligência e passa a dominar tudo, neste que é o único ponto fora da curva em Love, Death + Robots, mas que pode ser pulado ou considerado como um “intervalo comercial”, entre um primor e outro.
Ficção científica de primeira, com um 3D extremamente realista, pode ser conferido em pelo menos outras cinco produções, sendo uma delas “Para Além da Fenda de Áquila”, que mostra a tripulação de uma nave tentando compreender em que local do universo se encontra, ao acordar após viajar fora de curso por anos-luz; a outra é “Metamorfos”, que usa o cenário de guerra no Afeganistão misturado com… lobisomens.
Ainda no mesmo nível gráfico impressionante vemos em “13, Número da Sorte”, uma piloto que assume uma velha nave com má fama entre os soldados. Acredite se quiser, o final é, de fato, emocionante. À deriva no espaço, uma astronauta precisa escolher entre sacrificar uma parte de seu corpo ou perder a vida, em “Ajudinha”. Uma trama que muito lembra a premissa do filme Gravidade. Por fim, em “A Guerra Secreta”, unidades de elite do exército russo enfrentam forças malignas nas remotas florestas da Sibéria. Uma animação hiper-realista que pode ditar o futuro de produções desse gênero.
Os favoritos
Entre os meus curtas prediletos temos a animação tradicional de “Sugador de Almas”. Mercenários libertando um demônio sedento de sangue durante uma escavação arqueológica. Também o emocionante “Boa Caçada” (que vai fisgar fãs de Avatar: A Lenda de Aang), narrando a fábula de um filho de caçador de espíritos que faz amizade com uma criatura metamórfica na antiga China. E o espetacular “A Testemunha”, que fornece a mesma energia e vibração de animação mesclada que vimos em Aranhaverso, com um roteiro pirante sobre efeitos cíclicos… inversos. Após testemunhar um crime brutal, uma dançarina embarca em um frenético jogo de gato e rato com o assassino pelas ruas de uma cidade surreal.
Plural, inventivo e visualmente cativante, Love, Death + Robots é uma antologia para todos os gostos! Vai te envolver num oceano de criatividade e histórias incríveis e inesquecíveis.