Marighella – Um filme sobre sacrifício
Nos cinemas, como deveria ser
Finalmente Marighella estreia no circuito de cinemas no Brasil. Depois das dificuldades referentes à produção e principalmente com relação ao movimento contra o filme liderado pelo presidente, o drama político chega às salas de cinema em todo o país nessa quinta-feira dia 04/11/2021.
O filme já havia vazado na internet, mas como um lançamento dessa magnitude não estaria no cinema? Entendendo o cinema como uma experiência coletiva e de uma época específica/contexto histórico, o diretor Wagner Moura diz com convicção que “Marighella é um filme para ser visto no cinema”.
Drama realista em Marighella
Carlos Mariguella é mais conhecido como um grande combatente na época da ditadura, fazia parte da ALN (Ação Libertadora Nacional) e foi um dos grandes opositores ao sistema ditatorial no Brasil, sendo considerado o “Inimigo Público nº 1” do país. O filme é focado nos anos de 1964 (ano do golpe) até 1969 (ano do assassinato de Marighella).
O filme de Wagner Moura é intensamente intricado, violento e realista. A catarse em que as cenas nos leva, em um ritmo rápido, com movimentações intensas e a câmera absurdamente claustrofóbica, nos gera um sentido de pavor durante todo o filme. Ditadura, autoritarismo, violência corporal e psicológica, humilhação extrema e tortura se misturam e dão vasão à luta armada contra essa situação. O filme prova esse direito ao revide a todo momento.
Bruno Gagliasso interpreta um delegado que simboliza o militar Sérgio Paranhos Fleury do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), de forma animalesca e pesada. É literalmente um fascista em movimento.
A atuação de Seu Jorge é catártica. Depois da fatídica confusão que os detratores do filme fizeram com relação à cor de pele do personagem, o artista prova que recebeu o papel para incorporar o revolucionário e seus significados. O papel foi pensando primeiro para o rapper Mano Brown, que não conseguiu acompanhar as filmagens, então Wagner Moura refletiu sobre o embranquecimento que a mídia brasileira fez com Marighella e se sente totalmente confiável com Seu Jorge no papel. Ele afirma que “Entre Mano Brown, Marighella e Seu Jorge, qual a real diferença? O colorismo? Os três são pessoas negras e representam a luta da negritude no Brasil”.
Camadas de lutas
São muitas camadas e representações de lutas que o filme apresenta. As mulheres foram uma grande força na luta armada e na narrativa do filme, Adriana Esteves atua como esposa de Marighella e Bella Camero atua como uma das guerrilheiras da linha de frente da ALN. São mulheres fortes e determinadas em seus contextos.
A luta dos dominicanos, com a posição da Igreja Católica com a Teologia da Libertação representada pelo personagem de Henrique Vieira (que é pastor evangélico na vida real) é fascinante, e a cena na qual o padre explica em qual contexto que Jesus Cristo é torturado e morto pelo Estado Romano, um Jesus negro e que lutou contra as injustiças de seu tempo, nos lembra que no fim esse filme é sobre sacrifício.
Wagner Moura detalha que todos os personagens do filme (e na vida real), estavam “Sacrificando algo com amor”, é um filme sobre o “valor do sacrifício”, e aqui é sobre o amor que Marighella teve pela família, pelos mais pobres e principalmente por seu país.
Há quem diga que o filme acerta demais e segue um roteiro encaixado no discurso revolucionário de esquerda, no qual cenas e frases de efeitos são focados em ‘lacrações’, mas entendo que não estamos em momento de relativizar a luta e o contexto horrível que estamos passando, e é razão entendermos o filme em 1964 como em 2021, com um contexto parecido de lutas e opressões.
Não é difícil dizer que o filme Marighella é a representação do espírito do seu tempo e da resistência da cultura e movimentos sociais numa era de neofascismo. Assim como Bacurau (2019), Marighella representa o que temos de melhor da nossa arte, que é a resistência representada em forma de arte.
5 estrelas pela coragem do Wagner Moura de lançar um filme tão controverso. Ver esse filme no cinema é um ato revolucionário!
Extra: Clipe da Música do Racionais, trilha do filme.
Extra: Livro em que o filme se baseou.