Nine, o legado de um cineasta em um musical
Nine é um filme de 2009, dirigido por Rob Marshall (também diretor de Chicago e Into The Woods), baseado em um musical de mesmo nome, de 1982, que por sua vez é inspirado no clássico de Federico Fellini, 8½(1963).
À beira de completar 50 anos, o diretor de cinema Guido Contini (Daniel Day-Lewis) passa a analisar a sua vida, assim como as mulheres que foram e são importantes para ele.
A vida, a morte e a imortalidade
Quando Fellini escreveu e dirigiu seu filme autobiográfico 8½, ele já tinha uma carreira estabilizada e respeitada como cineasta. O título do filme original, inclusive faz referência à quantidade de obras que ele já tinha produzido até o momento. O filme fala sobre um homem que começa a repensar a sua vida e as escolhas que tomou. Ao mesmo tempo que lida com os problemas da sua vida pessoal, e com um enorme bloqueio criativo.
Nine segue esse mesmo caminho. Guido é um homem em crise de meia idade, que já começa a visualizar o período final da sua vida. Atualmente, Guido não seria um homem tão velho. Mas o filme se passa nos anos 60, onde a expectativa de vida era um pouco menor. Ele então começa a pensar no legado que vai deixar.
No caso de Guido, que é um cineasta famoso, o legado que ele vai deixar também é algo que agrava o seu bloqueio criativo. Afinal, depois de diversos filmes de sucesso, todos esperam que ele faça mais um grande trabalho, embora ele não saiba para onde vai.
Para completar a situação…
Ele precisa lidar com a sua vida pessoal, que é incrivelmente bagunçada. A ideia que Guido tem, então, envolve fazer um filme metalinguístico que fala justamente sobre o bloqueio criativo. Isso enquanto tenta desembaralhar os seus outros problemas. Exatamente o que Fellini fez quando concebeu 8½.
8½ era originalmente um filme sobre a crise de meia idade de Fellini. Mas o fato dele ter se tornado um musical que foi transformado em filme em 2009, mostra que o tema da trama é de fácil reconhecimento por grande parte das pessoas. Mesmo que elas levem vidas comuns, fora do mundo da arte.
Um filme de mulheres
Embora Nine tenha como protagonista um homem, ele é um filme de personagens femininas. Guido é só uma desculpa para que conheçamos todas as mulheres incríveis que fizeram e fazem parte de sua vida.
Elas são: sua esposa, Luisa (Marion Cottilard), sua amante, Carla (Penélope Cruz), sua musa, Claudia (Nicole Kidman), sua figurinista, Liliane (Judi Dench), sua mãe (Sophia Loren), sua fã, Stephanie (Kate Hudson) e uma prostituta de sua juventude, Saraghina (Fergie).
Com uma quantidade de mulheres tão grande em sua vida, que muitas vezes tem interesses e vontades diferentes, é natural que a vida pessoal de Guido esteja toda bagunçada. Luisa, por exemplo, se sente deixada de lado e embora finja não ver, não ignora totalmente a existência de sua amante. Carla, por sua vez, exige cada vez mais atenção de Guido. No meio disso tudo, ele ainda tem tempo de flertar com Claudia e Stephanie. O que acontece é que ele acaba decepcionando todas as mulheres com quem se envolve.
Já era de se esperar
Isso acontece também porque Guido é um homem egoísta e prepotente que acha que pode brincar com as pessoas a seu bel prazer. Especialmente se essas pessoas são as mulheres que o amam. A música Take It All, que sua esposa Luisa canta para ele no momento em que decide que não quer mais manter o casamento, fala sobre isso. Na letra fica claro que Guido sempre exigiu tudo dela, mas nunca foi capaz de dar nada em troca, até o ponto que a deixou vazia. O número musical que acompanha a música consiste de um strip-tease que não tem qualquer conotação sexual. Mas passa a ideia de completa dedicação e entrega que não foi retribuída.
Não é só Luisa que se sente assim. Carla também espera que Guido deixe a esposa e passe a viver com ela. Claudia se decepciona com o fato do diretor não ter nenhum roteiro pronto. E Stephanie se decepciona quando percebe que seu ídolo não é como ela idealizou. As únicas mulheres que parecem aceitar Guido do jeito que é (ou do jeito que foi), são Saraghina, que o conheceu quando menino, e, naturalmente, sua mãe.
Nine também é um musical que fala muito sobre o comportamento masculino, especificamente o comportamento masculino de uma certa geração. Guido é um homem bem sucedido e aparentemente bem casado. No entanto, quando entra na meia idade e começa a se sentir frustrado, ele se vê no direito de arrumar uma amante e flertar com outras mulheres.
É verdade que Nine cai em alguns estereótipos femininos tão comuns no cinema, como a esposa recatada, a amante fogosa e sedutora e a mãe protetora. Mas as personagens nem poderiam ser muito desenvolvidas já que o filme nem teria tempo para falar de tantas mulheres assim.
Referências
Sendo baseado em um clássico do cinema italiano não é nada fora do normal que Nine tenha diversas referências às produções italianas.
Nine se passa nos anos 60, uma época de bastante sucesso para o cinema italiano. Também é a década de lançamento de 8½. Guido trabalha na Cinecittà, um complexo de estúdios e teatros em Roma, que é responsável por grande parte da produção italiana até hoje.
Stephanie, a fã de Guido também é fã do cinema italiano em geral. Ela cita filmes e técnicas o tempo todo. A música que canta quando conhece Guido, que se chama justamente Cinema Italiano, fala sobre os filmes, os figurinos, as técnicas e até a fotografia presente nos filmes italianos.
Já em um determinado momento do filme, quando Guido sai para passear com Claudia por Roma, o espectador vê com muita clareza as cenas de A Doce Vida (1960). Nicole Kidman, que interpreta uma personagem inspirada em Anita Ekberg, também tem uma cena na fonte, assim como A Doce Vida.
Aspectos técnicos de Nine
Esta é, sem dúvida, uma grande produção. Os cenários são lindos, assim como os figurinos e a fotografia. Diferentemente do filme em que foi inspirado, que é mais parado e reflexivo, Nine é repleto de ação e movimento, seja em suas cenas, seja em suas coreografias.
O filme se passa nos anos 60, mas os figurinos não deixam isso totalmente claro, dando a entender que o filme poderia se passar nos dias de hoje. Já que a maioria das roupas, maquiagens e penteados parece mais um pastiche dos anos 60, do que roupas verdadeiras.
Os números musicais por sua vez, tentam resgatar a década em que se passam. Como Folies Bergère, interpretado por Judi Dench, que retrata espetáculos típicos dos anos 20 e 30. E o já citado número de Hudson, Cinema Italiano.
O elenco
Dispensa comentários. Daniel Day-Lewis entrega, como sempre, uma ótima atuação. Mas embora ele seja o protagonista, são as mulheres de sua vida que roubam a cena. Inclusive é uma pena que cada uma delas tenha tão pouco tempo no filme, já que todas as atuações estão ótimas. O destaque fica para Marion Cotillard e Penélope Cruz, ótimas tanto nas cenas, quanto nos números musicais.
As músicas que fazem parte da trilha sonora de Nine são algumas do musical de 82. Entre elas está a já citada Folie Bergères, além de Guido’s Song, A Call from the Vatican, Be Italian, Unusual Way e I Can’t Make This Movie. Cinema Italiano, Take It All e uma terceira música chamada Guarda La Luna foram compostas especialmente para o filme. Os números musicais acontecem, em sua maioria, em palcos que não fazem parte da história do filme. Como se as músicas cantadas estivessem apenas na imaginação de Guido.
8 1⁄2 , o filme de Fellini que inspirou o musical foi indicado a cinco Oscars. Ganhou o de melhor filme estrangeiro e melhor figurino em preto e branco. Já o musical estreou na Broadway em 1982, no West End em 1996 e ganhou um revival na Broadway, em 2003. A montagem original foi indicada a 10 Tonys. Levou cinco (melhor musical, melhor trilha sonora original, melhor atriz, melhor direção e melhor figurino).
Nine, o filme de 2009, foi indicado a quatro Oscars, mas não levou nenhum. O filme também não foi muito bem recebido nem pela crítica, nem pelo público.
Nine é um musical que tem como protagonista um homem, mas que tem personagens femininas muito mais interessantes e que mereciam um destaque bem maior.