O Dublê (2024)
Em “O Dublê”, novo filme de David Leitch baseado na série clássica “Duro na Queda” de 1981, acompanhamos Colt Seavers, (Ryan Gosling) — um dublê de filmes de ação que abandonou os holofotes após um grave acidente — voltando ao trabalho em um filme dirigido por sua ex-namorada, Jody Moreno (Emily Blunt). Nesse conturbado retorno, em que o término não resolvido entre os dois fica latente, ele é envolvido em uma trama além dos sets de filmagem ao ser incumbido de encontrar Tom Ryder (Aaron Taylor-Johnson), o astro principal do filme que desapareceu das gravações.
Leitch, que passou grande parte da sua vida sendo coordenador de dublês em filmes de Hollywood, começou a se aventurar na condução das câmeras ao co-dirigir o primeiro John Wick. Também dirigiu o segundo Deadpool, Velozes e Furiosos: Hobbs e Shaw, e o divertidíssimo Trem-Bala. Ou seja, experiência com filmes de ação é o que não falta.
Neste aqui, entretanto, as cenas de luta são pouco inspiradas; o que não quer dizer que elas sejam ruins. Cumprem seu papel dentro da história e até são acima do que geralmente vemos em filmes do gênero. Mas eu, pessoalmente, esperava mais do diretor após ver o que foi entregue em Trem-Bala. Tirando uma sequência em que Gosling luta sob o efeito de alucinógenos, o que dá a liberdade de Leitch “pirar” e entregar uma coreografia inventiva, surrealista e empolgante, as ações mais impressionantes são as que envolvem carros, capotagens e manobras em alta velocidade.
Em compensação, o carisma de Gosling e Blunt transborda pela tela, apresentando uma química notável e se encaixando perfeitamente nos papéis de um dublê e uma diretora que ainda nutrem sentimentos um pelo outro, mesmo com um término mal-resolvido. Gosling já provou ter um timing cômico excelente e, aqui, consegue encaixá-lo com momentos de drama e a presença física que o papel de um confuso e apaixonado Colt exige. Quanto a Blunt, não me recordo de vê-la recentemente em um papel voltado ao humor, mas nesta ocasião se mostra totalmente à vontade na roupagem da diretora Jody, uma cinegrafista com um certo ressentimento cômico em relação ao protagonista — e que inclusive participa de algumas cenas de ação.
Os coadjuvantes do longa também merecem destaque. Aaron Taylor-Johnson consegue brilhar mesmo com pouco tempo de tela no papel do astro Tom Ryder, um ator arrogante embebido no próprio ego. Além dele, temos Hannah Waddingham (conhecida pelo papel de Rebecca em Ted Lasso), uma produtora da indústria que luta pelo sucesso do filme de Jody e que tem um papel fundamental no desenrolar da trama.
Confesso que algumas cenas um pouco desconjuntadas — uma espécie de publicidade de relógios e carros — me incomodaram e brevemente tiraram a imersão por não serem orgânicas. Infelizmente, tenho percebido que passagens assim estão cada vez mais frequentes na indústria e acredito que só irão aumentar nos próximos anos.
Quanto ao humor, ele diverte ao apresentar personagens que não se levam tão a sério e uma gama de piadas e situações hilárias, beirando o ridículo (as envolvendo Taylor Swift e Duna me fizeram rir à beça), com uma surpresa no final que deve tirar um sorriso até dos mais carrancudos.
Mas toda essa roupagem serve para sustentar o verdadeiro pilar do filme — os dublês. Entre críticas à indústria, por muitas vezes invisibilizar tais profissionais e não dar a devida importância a eles, o filme destaca a vitalidade dessa perigosa e injusta profissão. Pela dicotômica relação de Colt com Tom, vemos como, constantemente, quem literalmente dá o sangue pelo papel são as pessoas que sequer tem os nomes mencionados ou reconhecidos pelos astros principais dos filmes e pelo público em geral.
No fim, “O Dublê”, que chega aos cinemas brasileiros no dia 02 de Maio, apesar das falhas, mostra-se um filme extremamente divertido e bem conduzido, com ótimas atuações e servindo com uma espécie de “carta de amor” aos profissionais do título, escancarando uma realidade que precisa ser constatada — Hollywood não chega nem perto de dar a importância merecida a tais profissionais.