O Ganhador do Oscar: A Forma da Água

Ainda que Guillermo del Toro tenha fama por longas de monstros (além de sua devoção explícita pelo gênero), a obra desde o princípio vende o que é: um drama de época, com um romance idealizado e muito soft porn. Quanto a parte erótica, não é uma ironia da minha parte, com tantos fatos evidentes. Ao longo do filme, Del Toro espalha ícones fálicos e signos pornográficos sem se prender a tabus. Temos os ovos cozidos, a escova em forma de cabeça de ganso, a masturbação diária na banheira, a nudez sem timidez, e outros detalhes em cena que corroboram minha afirmação — que se fortalece não só na paixão, como no enorme tesão que a protagonista tem da criatura, culminando na inevitável cópula entre eles.

Do elenco inspirado que parece estar sobre um palco e não diante das câmeras, temos uma sonhadora Sally Hawkins como Eliza Esposito, que parece viver mais no mundo da fantasia do que no real, em sua atmosfera silenciosa. Repare como ela nunca se surpreende ou se assusta ao ver a criatura pela primeira vez e o que poderia soar inverossímil, aqui faz sentido, pois o contexto é de aceitação pelo o que é diferente — já que ela não o vê como algo e sim como um igual.

Doug Jones repete a ótima performance de Abe Sapien em sua forma anfíbia (que muito lembra ao evidente homenageado Monstro da Lagoa Negra), enquanto que Octavia Spencer e Richard Jenkins ficam responsáveis pelo coração do filme. No outro espectro, temos Michael Shannon, no formidável papel do macho branco opressor e nojento, com seu próprio ícone fálico (o cassetete, de poder e punição), que sonha com o american way of life, compra o carro do momento e mantém uma família classe média alta em um bom bairro de Baltimore. É interessante notar como o Strickland é mostrado dentro de casa, não sendo um crápula ali. Sua esposa lindíssima mantém o sexo diário com seus fetiches em alta e as crianças são felizes. Del Toro consegue a façanha de humanizar o vilão sem fazer com que ele fique mais empático. Mesmo que não concordemos com suas opiniões e atitudes, conseguimos entender o que o levou até ali.

Por fim, Michael Stuhlbarg é responsável por expandir a narrativa em sua trama de espião russo, ao mesmo tempo que faz as vezes do “veterinário do bem”, que opta por sacrificar os experimentos e a corrida da evolução (desse futuro que tanto se fala no roteiro) em prol da sobrevivência de uma nova espécie.

Aliás, da paixão do diretor por monstros, mais do que comparações com Uma Sereia em Minha Vida — alguns enquadramentos realmente são semelhantes, mas daí achar que esta obra o espelha é forçar a barra — Del Toro nada mais realizou do que uma nova versão de O Monstro da Lagoa Negra (aquele de 1954, que ele realmente tentou rebootar, mas a Universal não autorizou), só que pelo ponto de vista da criatura (que no filme original tem um fim trágico), dando ao casal um desfecho poético e mais feliz, sem abandonar tudo o que estabeleceu ao longo da história, fazendo uma justiça poética ao entregar 4 Oscars “para Jack Arnold” (diretor do longa cinquentista).

A Forma da Água

Guillermo Del Toro compôs mais uma fábula, dando dessa vez voz e protagonismo as minorias (a deficiente, a negra, o homossexual, o diferente etc) a medida que fornece um filme singular e cheio de personalidade que mereceu todos os prêmios que recebeu, pela paixão com a qual foi entregue.

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