Os Arteiros Mágicos (2018), livro de Neil Patrick Harris
Repleto de personagens carismáticos, um narrador divertido e uma história envolvente, o ator que eternizou Barney em How I Met Your Mother (e mais recentemente o Conde Olaf em Desventuras em Série), usou de sua paixão por mágica para produzir um dos melhores livros infanto-juvenis dos últimos anos.
Carter é mais habilidoso do que imagina, mas ele não acredita em mágica de verdade. Quando os pais do garoto desaparecem, seu tio Velhaco o obriga a viver de trapaças nas ruas, até que o protagonista resolve escapar. Ao fugir, porém, ele jamais esperava encontrar amigos e magia numa cidadezinha pacata da Nova Inglaterra. Mas, como num passe de mágica, tudo muda assim que o ambicioso B. B. Bosso e sua trupe de palhaços ladrões chega tocando o terror no lugar. Com trabalho em equipe e muita magia, Carter e os arteiros farão de tudo para livrar a cidade das garras do vilão.
Guilherme Miranda conseguiu traduzir muito bem o espírito da trama e fazer um encaixe certeiro de palavras e truques entre frases e expressões, ao mesmo tempo mantendo a essência do original, sem perder nossa ginga. Dessa maneira, fica fácil se identificar com pelo menos alguns dos personagens. Carter começa a história arisco, desconfiando de tudo e de todos, se abrindo bem gradualmente, mas carregando aquele potencial perfil protagonista desde o início – mesmo frágil e esboçando certo vitimismo, o menino consegue ser independente e esperto o bastante para sua pouca idade, o que o torna um sobrevivente, assim como um gatuno de primeira com as mãos ágeis, ainda que ele não use suas habilidades para furtar ninguém. Leila, por outro lado, é alegre e espevitada, sendo uma verdadeira escapista; enquanto que o sofisticado Theo guarda segredos envolvendo música e sua aptidão para levitação de objetos; por fim, a cadeirante Ridley assume o papel da nervosinha do grupo, mas de grande coração, e com um cérebro maior ainda. No mais, os gêmeos Olly e Izzy parecem ter ingressado o elenco jovem meio que gratuitamente, mesmo com suas funções convenientes lá para o fim do livro.
Entre os grandes personagens, temos B. B. Bosso (ao melhor estilo vilão Disney, no sentido positivo da comparação) – que justamente ao espelhar uma versão ainda mais perigosa do tio Velhaco, representa uma grande ameaça não só para Mineral Wells, mas também para Carter; e Dante Vernon, que carrega toda aquela aura de Dumbledore, repleto de sabedoria e respeito, que acolhe os arteiros assim com os leitores e traz algo praticamente inédito pra esse tipo de literatura: o sábio mágico é gay e tem um marido (chamado de o Outro Sr. Vernon, um cozinheiro do grande hotel local, cenário importante da trama), tratado no enredo de maneira natural, sem panfletagem ou qualquer outra problemática, numa sacada bem-vinda do autor, que soube aplicar diversidade ao longo das 260 páginas (personagens negros que não caem no estereótipo de “pobre e nervosinho”, pelo contrário; uma cadeirante que não é vítima de nada etc.).
A história fornece muito um clima de desenho animado, principalmente nas soluções de sequências de ação, o que ornou legal dentro da proposta, que vem belamente embalada pelas lindíssimas ilustrações de Lissy Marlin (que além da capa, enfeita várias páginas com um cartum incrível e que colabora bastante para o enredo, sem tornar a publicação exatamente um “livro ilustrado”), além de alguns momentos entre os capítulos que ensinam o leitor a fazer mágica, no traço fofo de Kyle Hilton (mas que de maneira alguma interfere no andamento da leitura).
Provavelmente escrito por Alec Azam (assumido como co-autor aqui, mas nós sabemos como funciona um nome de grife como o de Neil Patrick, não é?), o livro é ótimo em tudo o que se propõe, a começar pela temática, já que do projeto gráfico a intervenções narrativas, tudo na obra é envolvido em belos e bem sacados truques, que expandem a experiência de leitura além da própria história, que desmonta os tropos clássicos da Jornada do Herói (sem renegá-la) para articular um mosaico muito inventivo e delicioso, com uma história que conversa completamente com seu público-alvo (o infanto-juvenil) e ao mesmo tempo pode certamente atingir o coração dos mais velhos, sem erro. Atenção ainda a outras brincadeiras que mantém a magia no ar, indo do Sumário maravilhoso a introdução, com esse narrador que é tão fantástico quanto os personagens que apresenta. Neil Patrick Harris certamente concebeu aqui um clássico que vai ressoar gerações adiante, com uma narrativa refrescante e necessária para os novos tempos.
Com um acabamento caprichadíssimo, daquelas publicações que ficarão lindas na sua estante, estão planejados outros três livros para a série e fica a torcida para que a Plataforma 21 traga um por ano. Eu, pelo menos, estarei na fila para comprar.
Os Arteiros Mágicos (2018), de Neil Patrick Harris
Os Arteiros Mágicos vai sim além de qualquer truque e prova que a mágica também pode ser encontrada numa inesquecível leitura.