Peaky Blinders: Sangue, Apostas e Navalhas
Uma das melhores séries contemporâneas, que quase ninguém está comentando
Baseada em um conto épico de uma família gângster, Peaky Blinders é ambientado em Birmingham, na Inglaterra, em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial (indo até 1929 na temporada mais recente). A produção criada por Steven Knight para a BBC, conta até o momento com cinco temporadas de 6 episódios cada, disponíveis por completo na Netflix.
Com um estilo visual arrojado e uma trilha sonora impecável (que vai The White Stripes, Radiohead, PJ Harvey, passando por Arctic Monkeys, David Bowie até o tema marcante de abertura com Nick Cave & The Bad Seeds), a série geralmente mantém um único diretor por temporada (que estabelece sua identidade) e um roteiro redondo, quase sem furos, repleto de escala de gravidade, senso de entretenimento e fatos históricos de seus respectivos períodos.
Peaky Blinders
Apreciadores de Tony Soprano ou Walter White vão se cativar de imediato por Tommy Shelby, líder natural dos malditos Peaky Blinders. A gangue existiu na vida real, mas aqui ganha contornos fictícios em favor da narrativa inventiva de Knight. O protagonista, interpretado por Cillian Murphy, neste que é o melhor papel de sua carreira, é um homem ambicioso descendente dos ciganos, que começa com os pés na lama, passando por jogos e apostas, sujando as mãos de sangue, até alcançar o palanque político.
Frio e calculista, seu personagem ganha brilho próprio e mesmo que jamais tenha atos limpos, muitas de suas ações são nobres, ainda que por meio escusos. A família Shelby conta com outras inúmeras figuras marcantes, mas vale destacar aqui Arthur, o irmão mais velho, incapaz de controlar sua fúria; Polly, a tia do quinteto e tesoureira da gangue, que não só guarda grande sabedoria, como balança moral para sustentar as grandes decisões; e Ada Thorne, uma das irmãs, que começa a flertar com o comunismo.
Muitas estrelas
Trazendo ainda grandes nomes de Hollywood em papéis magníficos, a série destaca vários atores da TV e do cinema, entre eles vale ressaltar Sam Neill, como um comissário de polícia que cria uma rixa pessoal com o protagonista; Tom Hardy, como um padeiro judeu que troca de lados sempre que lhe convém; Adrien Brody interpretando um mafioso italiano em busca de vingança; Aidan Gillen como um cigano de uma facção perigosa; e Sam Claflin, surpreendendo como Oswald Mosley, figura real e um dos principais antagonistas da série. Ele foi um dos principais líderes da extrema-direita fascista da Inglaterra e também um ativista contra a participação britânica no início da Segunda Guerra Mundial, tendo sido fundador da União Britânica de Fascistas; entre outros inúmeros personagens igualmente interessantes.
A cada temporada, os Peaky Blinders tem de lidar com um tipo de inimigo. Assim, vão desde o IRA (o Exército Republicano Irlandês), passando pela máfia italiana, chinesa e russa, até os americanos e os Billy Boys /fascistas. A última temporada gera um reflexo assustador do momento atual global, principalmente no Brasil. A trama vai sempre caminhando em paralelo com momentos históricos, como os ecos pós-Primeira Guerra, a Lei Seca, a Queda da Bolsa de Valores (e portanto, a Grande Depressão), indo até o abismo da Segunda Guerra (a ideia do criador é terminar a série na sétima temporada, quando então a última grande guerra começaria).
Vale a pena!
Com reviravoltas surpreendentes, mortes inesperadas e questões como a deterioração da saúde mental, a trama aborda diversos temas de maneira orgânica em seu enredo, sem deixar a câmera lenta de lado, o fogo das fornalhas e os corpos boiando.
Com alto valor de produção, texto riquíssimo e forte elenco, Peaky Blinders é fácil uma das melhores séries do momento, que precisa ser descoberta pelo grande público, preso a sucessos do passado e que estão em busca de narrativas de qualidade. Inclusive a de figuras tão torpes, quanto os desgraçados e malditos Peaky Blinders!