Penny Dreadful: City of Angels – um spin-off
Muita conversa para pouca história
O criador da renomada série original sobre contos de mistério europeus, John Logan, que soube embalar Drácula, o mito do lobisomem, a criatura de Frankenstein e outros clássicos do horror moderno, em três temporadas sofisticadas e marcantes, em Penny Dreadful: City of Angels se perde num enredo genérico e cafona, que ao menos tem algo a dizer. De qualquer maneira, ao investir nessa proposta, o roteirista e diretor se distancia completamente da premissa que o levou ao sucesso no passado.
Na trama, duas entidades “irmãs”, Santa Muerte (uma entidade mitológica da cultura mexicana, que transporta as almas dos vivos para o mundo dos mortos e que também está ligada à proteção, cura, pureza, gratidão, amor, com um papel fundamental para a comunidade) e Magda (uma espécie de divindade do caos e que serve de desculpa para justificar esse spin-off, ao tentar relacioná-lo com Penny Dreadful original, ainda que sem sucesso), debatem sobre o maniqueísmo da humanidade.
A medida que Logan estaciona Santa Muerte e a relega a raras aparições, ele usa e abusa da vilã maquiavélica, que parece ter saído de um filme de segunda da Disney, com seu vestido preto e interpretação forçada. A história ainda recorre ao clichê da dupla de detetives formada por um veterano e um novato, investigando um crime na Los Angeles de 1938, e depois se espalha por diversas subtramas, envolvendo gangues, templos religiosos e até nazistas. No desespero de tornar sua narrativa relevante (já que, afinal, ela em nada remete a original e vamos sempre lembrar disso), Logan quer contar várias histórias, mas acaba só iniciando boas ideias e não saindo do lugar, se perdendo no próprio discurso.
Penny Dreadful: City of Angels
City of Angels poderia muito bem ser uma série avulsa, sem qualquer relação com Penny Dreadful e teria, talvez, funcionado melhor. Acontece que a marca “Penny Dreadful” tem um peso, que esse spin-off não foi capaz de carregar, nem sequer emular. As duas entidades não são capazes de justificar o lado sobrenatural o suficiente para remeter a esse DNA, portanto, não cola, não desce e não funciona.
Mas claro, o embate anti-Trump é louvável, com as mensagens sobre “muros” (especificiamente sobre os mexicanos, mas também no final é lembrado sobre como os EUA foram escanteando os negros, judeus e chineses para os guetos), representados aqui com uma ponte que está sendo planejada por um homem branco, manipulado por nazistas. Nessa salada toda, Logan consegue sim um alto valor de produção, figurino e cenografia de época, até extraindo boas atuações aqui e ali, ora flertando com o terror (bem pouco), ora realizando uma verdadeira novela mexicana (na maior parte das vezes).
O elenco
O elenco traz nomes interessantes, mas a sensação de mal aproveitamento não descola mesmo depois que a história acaba. O protagonista Daniel Zovatto (dos excelentes ”Corrente do Mal” e ”O Homem nas Trevas”) faz o detetive em conflito com sua raça e objetivos, e parece estar sempre prestes a chorar. O famoso e velho de guerra Nathan Lane encontra um ponto de equilíbrio interessante como parceiro do outro e acaba desenvolvendo uma trama só para si, repleta de vaivéns que nem sempre funcionam.
Adriana Barraza, a mãe mexicana, tem um arco interessante envolvendo os próprios interesses familiares e é um dos poucos destaques da série. Kerry Bishé, Rory Kinnear (único oriundo da produção original), Michael Gladis, Thomas Kretschmann e outros, formam as bases envolvendo ou nazistas, ou pachucos (gangsters chicanos), ou políticos, ou religiosos e até mesmo judeus. Por fim, Natalie Dormer tem uma oportunidade aqui, ao interpretar 4 figuras (a divindade do caos, uma assessora de gabinete, uma esposa em apuros e uma líder de gangue), mas parece abraçar a breguice do roteiro e entrega atuações muitas vezes novelescas, que certamente farão muitos espectadores revirarem os olhos.
Mas veja bem, a série não é de fato ruim
Em suas várias premissas, ela tem qualidade, inclusive nos discursos políticos e sociais, que marcaram um período e depois repercutiram em outro (Hitler começava a ascender naquele momento e a relação que o autor cria com a América – de ontem e de hoje – é bem interessante). Por outro lado, são 10 longuíssimos episódios com mais de 40 minutos cada, onde pouca coisa acontece.Existe um deslumbramento na direção (que ao menos envolveu latinos em grande parte), arrastando o público para todos os lados, mas a história não justifica nem sequer 6 episódios, quem dirá 10.
Não há trama o suficiente para isso. E seus personagens falam, falam demais. De temas importantes a conversas de rotina, tudo vira um longo monólogo, que pode fazer qualquer um desistir da produção antes da hora. Ela diverte, sim, mas desgasta na mesma medida. E ainda: duvido que mexicanos e judeus fiquem falando o quão mexicanos e judeus eles são o tempo todo, quase num aspecto alienígena. Ao se apropriar de outras culturas e bem intencionado em dar voz a elas, Logan se esqueceu de ter mais sensibilidade para compreender suas respectivas culturas. Não à toa, a série foi cancelada e mesmo que feche alguns arcos, deixa outros em aberto, incluindo a fragmentação da vilã. Não deixa de ser um pouco frustrante.
Cafona e falastrão, Penny Dreadful: City of Angels tem algo a dizer e diverte pelo caminho, quando não está perdido no próprio discurso. E esse seriado é muitas coisas, sim, mas não é Penny Dreadful.