Se a Rua Beale Falasse, do diretor de Moonlight
O primeiro amor e o racismo velado
Se a Rua Beale Falasse é o mais novo filme de Barry Jenkins, e é inspirado no livro de mesmo nome de James Baldwin. Nele, Tish (Kiki Layne) e Fonny (Stephan James) são dois jovens apaixonados que vivem no Harlem. Os dois planejam se casar o mais rápido possível, porém Fonny é acusado de estupro e preso. Logo depois, Tish descobre que está grávida. Agora, ela precisa fazer de tudo para tirar Fonny da cadeia antes que o bebê nasça.
Um romance
Os primeiros minutos de Se a Rua Beale Falasse passam ao espectador a ideia de que o filme é um romance, já que acompanhamos Tish e Fonny andando de mãos dadas pela cidade, felizes e sem nenhuma preocupação em mente. Ao longo do filme percebemos que isso está bem longe de ser verdade. Mas pode-se dizer que à sua maneira, o filme fala de um romance. Aliás, muito mais do que isso, o filme fala sobre o primeiro amor.
Tish e Fonny moram no mesmo bairro e se conhecem desde crianças. Mas eles tiveram criações bem diferentes. Os pais de Tish são mais modernos, enquanto os de Fonny ainda estão presos à tradições e sua mãe é extremamente religiosa. Mas quando crianças, os dois brincavam juntos. Seu relacionamento amoroso, por esse lado, parece apenas um desenvolvimento lógico da amizade de infância.
Ela tem apenas 19 anos quando eles começam a namorar, e é completamente inexperiente. Mas está claro que ela está completamente apaixonada, daquela maneira que só acontece da primeira vez. Ele já tem 22. Não ficamos sabendo exatamente o quão experiente ele é, mas certamente o amor que Tish sente é recíproco.
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O público então, acompanha o amor dos dois desabrochar e as primeiras experiências que compartilham. O amor de Tish e Fonny, que nós acompanhamos através de flashbacks, é intenso, assim como a história dos dois. É da escolha do diretor, e muito possivelmente de Baldwin, que escreveu o livro, que o romance entre os eles não seja o tema central de Se a Rua Beale Falasse. Ele é usado como pano de fundo para falar de temas maiores, mas isso não quer dizer que o filme não retrate uma história de amor.
“Esse país não gosta de negros”
Em determinado momento do filme, Fonny diz essa frase. Ele ainda nem está se referindo à sua prisão, mas essa é uma frase que poderia definir Se a Rua Baele Falasse. Enquanto acompanhamos o namoro e a vida de Tish e Fonny, somos apresentados a diversas situações que demonstram racismo. Pode não ser aquele racismo explícito que deixa claro a que vem, mas sim, o implícito, que é quase naturalizado.
O casal não consegue arrumar um apartamento para alugar, porque ninguém confia nos dois. Quando Tish arruma um emprego em uma loja chique de perfumes, as outras vendedoras olham feio para ela. O longa vai nos mostrando pequenos momentos e situações que deixam claro o quanto o racismo velado é tão cruel quanto o escrachado.
Até que chegamos à situação que desencadeia boa parte dos acontecimentos do filme. Tish é assediada por um rapaz branco dentro de uma loja e Fonny, querendo defendê-la, agride o rapaz. Um policial (branco) que faz a ronda ali perto acha que a culpa é de Fonny. E é esse mesmo policial que mais tarde vai testemunhar contra Fonny no caso do estupro.
A temática do preconceito no cinema
As violências contra o jovem casal continuam de maneira quase sistemática. O julgamento é adiado diversas vezes, a polícia não leva a sério os depoimentos de pessoas que poderiam inocentar Fonny, e assim por diante.
Se a Rua Beale Falasse nos mostra como pequenas atitudes podem se acumular a ponto de se tornarem uma bola de neve e essa bola de neve sempre atinge o lado mais fraco.
Aspectos técnicos de Se a Rua Beale Falasse
Assim como no filme anterior de Jenkins, Moonlight: Sob a Luz do Luar, as cores são elementos extremamente importantes do filme. A produção usa de muitas cores vivas, e muito contraste. Nos momentos em que vemos o casal feliz, há muito amarelo. No entanto, quando eles passam dificuldades, vemos muitas cores frias.
O figurino de Tish, no entanto, é repleto de amarelo, a cor da esperança, uma vez que Tish se mantém sempre otimista, mesmo diante dos diversos desafios que a vida joga em seu caminho. A fotografia do filme, que combina todos esses elementos, também é linda.
O figurino também chama a atenção. Não fica claro em momento nenhum em que ano exatamente o filme se passa, mas pelas roupas pode-se dizer que é entre o meio da década de 60 e o começo da década de 70. Essa ideia se fortalece quando pensamos nos comportamentos e opiniões que os personagens transmitem. As roupas também seguem o padrão de cores que a direção de arte usa: cores fortes, que variam entre quentes e frias.
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O elenco não tem grande nomes conhecidos, mas tem ótimas atuações, inclusive a de Regina King, que interpreta a mãe de Tish, e foi indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante. Kiki Layne também está ótima no papel de Tish. O longa ainda conta com algumas pontas de nomes famosos como Diego Luna, Dave Franco e Finn Wittrock.
No aspecto técnico, Se a Rua Beale Falasse é quase perfeito. A trama trata de assuntos importantes, e é muito bonita. O longa, no entanto, é um pouco longo (1h59) e como não é repleto de ação, ele pode incomodar quem está acostumado com filmes mais ágeis ou quem não entrou completamente na história.
Se a Rua Beale Falasse usa de um romance para tratar de temas bem mais profundos e o faz de maneira belíssima. O filme entra em cartaz no dia 7 de fevereiro.