The White Lotus
Com um humor mordaz, inteligente e repleto de cinismo, Mike White faz de The White Lotus, essa sua criação, uma pequena pérola encontrada no oceano das séries.
Com duas temporadas extremamente deliciosas, com situações “comuns”, onde o foco está no estudo dos personagens, de figuras ao mesmo tempo atípicas e tão identificáveis, acompanhamos ricaços se hospedando no hotel que dá título à obra (no primeiro ano, no Havaí, no segundo, na Itália, e o lance de ser uma rede de hotéis justifica o formato de antologia sem necessidade de ligação cronológica), o público acompanha situações que vão do cômico ao constrangedor, com pequenas doses de perigo, mistério e sensualidade. Tudo com um equilíbrio que funciona do começo ao fim.
O elenco é um show à parte que, aliado ao roteiro, a trilha e a fotografia agradáveis, tornam essa série tudo isso que falam dela mesmo. Jennifer Coolidge é a única que consta nas duas temporadas. A atriz que já foi mãe do Stifler em American Pie, retoma seus trejeitos de velha rica, boazinha mas insensata, que contribui para marcar o DNA do que The White Lotus simboliza.
The White Lotus
Se na primeira temporada temos a deliciosa e cínica dupla Sydney Sweeney e Brittany O’Grady com divertidos comentários de cunho social foda, esbanjando belas curvas enquanto pensam a existência, no segundo ano temos outra dupla tão aprazível quanto, na figura das cativantes prostitutas interpretadas por Simona Tabasco e Beatrice Grannò, que poderiam ter um spinoff só delas, convenhamos.
O playboy babaca galã que Jake Lacy faz em um ano e Theo James em outro, são assustadoramente críveis, todo mundo conhece um cara assim. Os quase bonzinhos, beirando a bobocas, figurados por Steve Zahn, Fred Hechinger, Kekoa Kekumano, Natasha Rothwell, Will Sharpe, Haley Lu Richardson e Adam DiMarco, são os que melhor simbolizam a ideia de que não existe um certo ou errado nesse universo, como não existe no nosso, mas que ainda há certa esperança.
Murray Bartlett e Sabrina Impacciatore fazem os intensos e azarados gerentes de hotéis em cada temporada, enquanto que F. Murray Abraham, Michael Imperioli, Connie Britton, Molly Shannon e Meghann Fahy acabam prestando tributos a criaturas famosas da mídia mundial, algumas mais sutis, mas reconhecíveis pelo comportamento.
Na HBO Max
É claro que de um lado, Alexandra Daddario e do outro, principalmente, Aubrey Plaza, oferecem personagens de destaque, mais complexas e intrinsecamente erráticas, como todos nós, em situações que certamente já vivemos em algum nível. E é nesse espelho que a produção investe, falando de pessoas com pessoas, ainda que em um contexto exuberante, com cenários formidáveis, usando de transições agradáveis e sempre uma sensação aflitiva e crescente de que algo muito errado vai acontecer. Ou de que já aconteceu e nós, espectadores, sabemos antes do personagem e por isso mesmo a agonia.
Com roteiro inteligente e diálogos sagazes, The White Lotus faz inúmeras homenagens a sétima arte (e a terceira e a quarta também), que dá para se pescar aqui e ali, além de trazer à tona questões sociais relevantes e potentes, revelando os dois lados do discurso em sua polarização, ou até um terceiro lado, sem necessariamente concluir nada. Já que parte da proposta reside no levantamento do debate e não em sua resolução. Assim como na vida o é.
As excentricidades dos super ricos, daqueles de falsa boa-fé ou dos mimados, ou daqueles que são indiferentes ou recém-chegados ao universo milionário, conferem situações muitas vezes hilárias, mas como se trata de pessoas, por mais absurdos que alguns momentos pareçam, muitos deles explicitam contextos extremamente reais, daqueles que você já viu seu amigo cometer ou no qual você mesmo passou, mesmo sem ter um tostão no bolso. Porque quando se trata de pessoas, ricas ou pobres, funcionários ou prostitutas, patricinhas ou dançarinos, Mike White entende. E nos entrega o melhor.